No calor das últimas semanas que nosso país tem passado, na efervescência de manifestações cujas bandeiras, por ora, parecem difusas e, algumas vezes, pouco objetivas, algumas das bandeiras que mobilizaram, sobretudo, uma classe média jovem, como o veto à PEC 37; a questão da "Cura Gay" e o #ForaFeliciano, conquistaram forte adesão e, em parte, representam a continuidade de manifestações contrárias a certas decisões políticas tomadas desde o início deste ano. Permitam-me, então, lançar mais uma polêmica e azeitar ainda mais esse debate.
Pode parecer um pouco atrasado este meu texto, devido a minha ausência por aqui, mas, no final do mês de maio, foi aprovado o projeto de lei de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), cujo conteúdo é de aprofundamento do rigor no chamado "combate às drogas", logo, medidas como penas mais severas para traficantes e aprovação da internação compulsória tornam-se carros-chefe desse projeto de lei.
Medidas polêmicas como essa geram algumas questões que precisam ser respondidas, ou ao menos, debatidas. Primeiro, a questão sobre o uso e a legalidade das drogas/criminalização de usuários por um lado, e por outro, a questão da luta antimanicomial e o uso político dos hospitais psiquiátricos.
A questão das drogas, num mundo comandado por relações capitalistas, está intimamente ligada com o sistema em que nós vivemos. A maconha, por exemplo, droga consumida em todo o mundo, cujo uso é proibido por diversos países, tem seu uso proibido por questões de mercado. No Brasil, a droga era conhecida como "coisa de negro"; na Europa, associada a imigrantes árabes, indianos e "intelectuais boêmios"; nos EUA, os numerosos mexicanos eram os responsáveis pelo crescimento do uso da "erva maldita". No entanto, nos próprios Estados Unidos, a droga era utilizada medicinalmente e comercialmente na indústria; sua plantação crescia vertiginosamente pelo país no início do século XX. Mas a Lei Seca norte-americana; a Crise de 29 e interesses econômicos de petrolíferas em promover o náilon, em detrimento da fibra de cânhamo, promoveram uma propaganda intensa anti-cannabis, sua perseguição e consequente proibição em vários países. O fato é que a espécie 'cannabis sativa', simplesmente, passou a ser proibida de existir, e com isso, seus usuários recriminados, perseguidos e tratados como caso de polícia.
Atualmente, alguns países têm superado a pauta e passam a tratar a questão das drogas como "problema" de saúde pública, e não de polícia. Casos como Holanda e Uruguai são exemplos de nova orientação sobre o tema, inclusive na direção do que a ONU vem dando.
No Brasil, a proibição das drogas e seu uso historicamente rotulado como "coisa de negro", levou o país a, em diversos momentos de sua história recente, situações constrangedoras no que tange o narcotráfico e o crescimento da criminalidade em torno da venda das drogas. Em diversos momentos, uma guerra entre polícia, usuários e traficantes foi e é travada cotidianamente no país, que insiste em criminalizar os usuários e combater o narcotráfico sempre através da "ponta do iceberg"; ou seja, através do pequeno traficante, do "bicho pequeno"; sem conseguir atingir a essência do problema das drogas ou, ao menos, ir atrás dos verdadeiros traficantes do país.
A solução apontada recentemente vai de encontro a tudo o que vem sendo debatido nas entidades da sociedade civil e dos que debatem saúde. No caso de usuários de drogas "mais pesadas", como o crack, a internação compulsória passa a ser a solução imediata, contrariando a luta que existe desde 1987 no país, contra o tratamento manicomial, em que se defende que o tratamentos psíquicos e psicológicos tenham uma ampla estrutura de suporte para permitir a integração progressiva do indivíduo à sociedade e à família, bem como tratamento psiquiátrico desprovido de doses abusivas de medicamentos. Além disso, é preciso combater um certo tipo de "eugenia" que pode ser praticado através de medidas como essa: "limpeza" das ruas, retirando todos aqueles que possam "atrapalhar a paisagem" de um país belo como o Brasil. Na Ditadura, praticamente dobraram o número de hospícios para dar cabo às prisões que eram feitas.
Cabe, então, aos movimentos sociais e entidades sérias deste país, debaterem o tema com serenidade e procurar atingir a essência de um "problema" que tem se tornado cada vez mais comum, mas cada vez mais alvo de medidas paliativas e prejudiciais à classe trabalhadora. Perseguir o ideal de dar ao assunto um tratamento sob o prisma da saúde pública, onerando o verdadeiro traficante e tratando o usuário que queira e precise ser tratado ainda parece a melhor solução. Vejamos.