quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

É muita cultura!

Foi, carnaval se foi... Já dizia o Parafusa, antiga banda emergente do cenário pernambucano, que acabou tendo lançado um cd e um EP. Nada melhor ter começado este post com uma das mais memoráveis músicas dessa maravilhosa banda, que trazia, entre as suas músicas, elementos da MPB Chicobuarquiana ao bom rock'n roll, além das levadas circences pós-Los Hermanos. O fato é que, realmente, o carnaval se foi e levou, pelo menos para os pernambucanos, um quê de saudade. E antes que os puristas venham criticar o carnaval, dizendo que é festa pra vagabundo ou qualquer coisa parecida, deixem-me argumentar: é que eu ando, mais do que nunca, escutando muita música pernambucana. E hoje, estava escutando o MTV Sintoniza Recife; DVD que traz o 3naMassa; China; Maquinado e o Mombojó, quatro dos mais geniais projetos musicais da atualidade.

O 3naMassa é um projeto de dois integrantes do Nação Zumbi( Dengue e Pupillo) e um cara da banda Instituto. Com arranjos inovadores e ousados a banda traz a participação de vozes femininas de grande destaque no cenário musical e artístico em geral, incluindo Pitty; CéU; Leandra Leal; Alice Braga (atriz dos filmes Eu Sou a Lenda e Ensaio Sobre a Cegueira) e a atriz Karine Carvalho( esposa do Rodrigo Amarante e participante da melhor música do projeto: Tatuí).

China é um cara que começou cedo, na antiga banda Sheik Tosado, na levada da onda Mangue Beach/Beat que avançou na música pernambucana em meados da década de 90. Passou um tempo apagado, até que retornou com um EP que não fez muito sucesso, para retornar com o álbum Simulacro, que traz as músicas "Sem Paz"; "Jardim de Inverno"; "Asas nos Pés" e "Canção que não morre no ar". Ótimas músicas pra quem gosta daquela mistura.

Maquinado é o projeto de um dos mais geniosos guitarristas brasileiros, o Lúcio Maia, guitarrista do Nação Zumbi, produtor e mais algumas coisas. Pra quem achava que o Lúcio Maia iria fazer um disco de virtuosi, ou guitar hero, talvez seja uma decepção. Mas pra quem considera a arte como um espaço para experimentar e inovar, o Maquinado leva todos que o escuta a algum lugar perdido em suas mentes. Destaque para a música "Sem Conserto".

E a última banda do projeto é o Mombojó, banda que mobiliza quase todos amantes de boa música: seja o roqueiro doido ou a patricinha. O Mombojó ,que já tem um espaço delimitado e bem conquistado no cenário nacional, não cansa de inovar e trazer novas idéias pra sua música. No projeto, eles fazem uma homenagem ao Pirulito, o flautista que morreu ano retrasado.

Fiz esse post, com introdução carnavalesca, para lembrar que aqui em Pernambuco, todos esses artistas têm espaço, e que nosso povo tem acesso a eles. Muitos desses artistas tocaram na festa da carne, mas não era em um trio elétrico, ou cobrando 400 reais. Eles estavam nos bairros, nos bairros considerados mais perigosos, para trazer, mesmo momentaneamente, um pouco de alegria a esse povo tão sofrido.O carnaval recifense é exemplo pra todo o Brasil. Carnaval gratuito, democrático e descentralizado, onde todos podem brincar de coisa séria e fazer brincar, onde todo mundo dança, todo mundo canta. Parabéns, minha terra!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

essa postagem foi um erro

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Diário de um Detento - Racionais MC's

"São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã.
Aqui estou, mais um dia.
Sob o olhar sanguinário do vigia.
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de
uma HK.
Metralhadora alemã ou de Israel.
Estraçalha ladrão que nem papel.
Na muralha, em pé, mais um cidadão José.
Servindo o Estado, um PM bom.
Passa fome, metido a Charles Bronson.
Ele sabe o que eu desejo.
Sabe o que eu penso.
O dia tá chuvoso. O clima tá tenso.
Vários tentaram fugir, eu também quero.
Mas de um a cem, a minha chance é zero.
Será que Deus ouviu minha oração?
Será que o juiz aceitou apelação?
Mando um recado lá pro meu irmão:
Se tiver usando droga, tá ruim na minha mão.
Ele ainda tá com aquela mina.
Pode crer, moleque é gente fina.
Tirei um dia a menos ou um dia a mais, sei lá...
Tanto faz, os dias são iguais.
Acendo um cigarro, vejo o dia passar.
Mato o tempo pra ele não me matar.
Homem é homem, mulher é mulher.
Estuprador é diferente, né?
Toma soco toda hora, ajoelha e beija os pés,
e sangra até morrer na rua 10.
Cada detento uma mãe, uma crença.
Cada crime uma sentença.
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima,
sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio,
sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo.
Misture bem essa química.
Pronto: eis um novo detento
Lamentos no corredor, na cela, no pátio.
Ao redor do campo, em todos os cantos.
Mas eu conheço o sistema, meu irmão, hã...
Aqui não tem santo.
Rátátátá... preciso evitar
que um safado faça minha mãe chorar.
Minha palavra de honra me protege
pra viver no país das calças bege.
Tic, tac, ainda é 9h40.
O relógio da cadeia anda em câmera lenta.
Ratatatá, mais um metrô vai passar.
Com gente de bem, apressada, católica.
Lendo jornal, satisfeita, hipócrita.
Com raiva por dentro, a caminho do Centro.
Olhando pra cá, curiosos, é lógico.
Não, não é não, não é o zoológico
Minha vida não tem tanto valor
quanto seu celular, seu computador.
Hoje, tá difícil, não saiu o sol.
Hoje não tem visita, não tem futebol.
Alguns companheiros têm a mente mais fraca.
Não suportam o tédio, arruma quiaca.
Graças a Deus e à Virgem Maria.
Faltam só um ano, três meses e uns dias.
Tem uma cela lá em cima fechada.
Desde terça-feira ninguém abre pra nada.
Só o cheiro de morte e Pinho Sol.
Um preso se enforcou com o lençol.
Qual que foi? Quem sabe? Não conta.
Ia tirar mais uns seis de ponta a ponta (...)
Nada deixa um homem mais doente
que o abandono dos parentes.
Aí moleque, me diz: então, cê qué o quê?
A vaga tá lá esperando você.
Pega todos seus artigos importados.
Seu currículo no crime e limpa o rabo.
A vida bandida é sem futuro.
Sua cara fica branca desse lado do muro.
Já ouviu falar de Lucífer?
Que veio do Inferno com moral.
Um dia... no Carandiru, não... ele é só mais um.
Comendo rango azedo com pneumonia...
Aqui tem mano de Osasco, do Jardim D'Abril, Parelheiros,
Mogi, Jardim Brasil, Bela Vista, Jardim Angela,
Heliópolis, Itapevi, Paraisópolis.
Ladrão sangue bom tem moral na quebrada.
Mas pro Estado é só um número, mais nada.
Nove pavilhões, sete mil homens.
Que custam trezentos reais por mês, cada.
Na última visita, o neguinho veio aí.
Trouxe umas frutas, Marlboro, Free...
Ligou que um pilantra lá da área voltou.
Com Kadett vermelho, placa de Salvador.
Pagando de gatão, ele xinga, ele abusa
com uma nove milímetros embaixo da blusa.
Brown: "Aí neguinho, vem cá, e os manos onde é que tá?
Lembra desse cururu que tentou me matar?"
Blue: "Aquele puta ganso, pilantra corno manso.
Ficava muito doido e deixava a mina só.
A mina era virgem e ainda era menor.
Agora faz chupeta em troca de pó!"
Brown: "Esses papos me incomoda.
Se eu tô na rua é foda..."
Blue: "É, o mundo roda, ele pode vir pra cá."
Brown: "Não, já, já, meu processo tá aí.
Eu quero mudar, eu quero sair.
Se eu trombo esse fulano, não tem pá, não tem pum.
E eu vou ter que assinar um cento e vinte e um."
Amanheceu com sol, dois de outubro.
Tudo funcionando, limpeza, jumbo.
De madrugada eu senti um calafrio.
Não era do vento, não era do frio.
Acertos de conta tem quase todo dia.
Ia ter outra logo mais, eu sabia.
Lealdade é o que todo preso tenta.
Conseguir a paz, de forma violenta.
Se um salafrário sacanear alguém,
leva ponto na cara igual Frankestein
Fumaça na janela, tem fogo na cela.
Fudeu, foi além, se pã!, tem refém.
Na maioria, se deixou envolver
por uns cinco ou seis que não têm nada a perder.
Dois ladrões considerados passaram a discutir.
Mas não imaginavam o que estaria por vir.
Traficantes, homicidas, estelionatários.
Uma maioria de moleque primário.
Era a brecha que o sistema queria.
Avise o IML, chegou o grande dia.
Depende do sim ou não de um só homem.
Que prefere ser neutro pelo telefone.
Ratatatá, caviar e champanhe.
Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe!
Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo...
quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio!
O ser humano é descartável no Brasil.
Como modess usado ou bombril.
Cadeia? Claro que o sistema não quis.
Esconde o que a novela não diz.
Ratatatá! sangue jorra como água.
Do ouvido, da boca e nariz.
O Senhor é meu pastor...
perdoe o que seu filho fez.
Morreu de bruços no salmo 23,
sem padre, sem repórter.
sem arma, sem socorro.
Vai pegar HIV na boca do cachorro.
Cadáveres no poço, no pátio interno.
Adolf Hitler sorri no inferno!
O Robocop do governo é frio, não sente pena.
Só ódio e ri como a hiena.
Ratatatá, Fleury e sua gangue
vão nadar numa piscina de sangue.
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Dia 3 de outubro, diário de um detento."

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Estranhos


Foi difícil. Ter passado todo aquele tempo como tua esposa; ter ouvido cada palavra que tu me disseste, cada carta escrita à pressa, dobrada e colocada no bolso de tua calça até que chegasse a mim. Palavras ludibriantes, que tu escrevia como uma pluma que descia levemente pelo ar, palavras com as quais tu sempre tinhas relacionamento exemplar: eram tuas amigas, companheiras. Eu também deveria ter sido. No começo até fui, passeávamos como um verdadeiro casal, tínhamos o calor em nossa rotina.
O que me surpreende, hoje, é que tuas palavras ficaram difíceis, ficaram rudes e incompreensíveis.
O que me surpreende, hoje, é que não te entenda mais. Que o idioma que sempre falamos tenha ficado preso, lá, no passado. E que hoje não passemos, apenas, de dois estranhos em comum.