quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ode aos que fiz chorar

Aos que fiz chorar, estendo minhas mãos
com a hipocrisia que me posso ser
passos atrás que nunca virão
gestos míopes que não apagam o sofrer

Estou aqui, resignado, no apagar das luzes
a pagar o pecado
apagar o estado
que fazemos nós

Nós, que sempre tão fortes
cantamos a sorte
da ode ao que se fode

Nós, que tão resolutos
gritamos a praga
que seriam nossas vidas

E de Cristo fazemos ao outros
oferecendo a outra face
e perdoando setenta vezes sete

Pois mesmo que peque
está oferecido o reino da terra
onde aqui se faz e se paga
e a consciência não deixa dormir

sexta-feira, 17 de julho de 2015

A música de protesto, democracia e golpismo


No início do ano, a partir das investidas e mobilizações da elite conservadora do país, além, é claro, de grande parte da classe média brasileira, dita culta; impulsionados diariamente pela imprensa golpista, um fato me chamou atenção mais precisamente em março: o abrupto retorno de Gabriel, o Pensador ao mainstream brasileiro.

Como todos sabem, Gabriel, o Pensador; filho de família rica do Rio de Janeiro, intitulado por alguns como rapper, cuja música sempre flertou com a linguagem pop, começou, desde cedo em sua carreira a envolver-se com polêmicas e tentativas de fazer uma música de mensagem social, de insatisfação com o "sistema" político. No início da sua carreira, a partir da gravação da música "Tô feliz (matei o presidente)", justamente no período de impeachment do então presidente Collor, ficou conhecido nacionalmente e rotulado como músico engajado. Esse mesmo Gabriel, o Pensador; anos mais tarde comporia a música "Lôra Burra", um hino do machismo da década de 90.

Mas o que me surpreende é que depois de tantos anos fora da mídia, Gabriel apareça justamente no momento de crise política do país, no "Domingão do Faustão", que agora tenta semanalmente aplicar doses de golpismo, com a música "Chega". A música, além de mal composta, como se ali houvesse um pré-adolescente a compondo flerta com todas as "indignações da classe média e da "elite imbecil de São Paulo", como dissera Sílvio Costa. Abaixo, um trecho que descreve bem de onde parte o discurso emitido na música do "rapper":

Democracia, que democracia é essa?
O seu direito acaba onde começa o meu, mas onde o meu começa?
Os ratos fazem a ratoeira e a gente cai
Cada centavo dos bilhões é da carteira aqui que sai
E a gente paga juros paga entrada e prestação
Paga a conta pela falta de saúde e educação
Paga caro pela água, pelo gás, pela luz
Pela paz, pelo crime, por Alá, por Jesus
Paga importo paga taxa, aumento do transporte
Paga a crise na Europa e na América do norte
Os assassinos da Febem, o trabalho infantil na China
E as empresas e os partidos envolvidos em propinas

Link: http://www.vagalume.com.br/gabriel-pensador/chega.html#ixzz3gBmN7hbX

Ora, é ou não é um autêntico membro dessa classe média emburrecida que escreve essa letra? Em algumas linhas, questiona-se os chineses, os partidos, e, pasmem, a democracia que conquistamos a duras penas e que o "rapper" diz não existir.

Como o tema deste texto não é só o Gabriel, "o Pensador", vale a pena lembrar o papel social que a arte e mais especificamente a música podem cumprir. Como dissera Victor Hugo, "a música é o barulho que pensa"; não obstante, cabe lembrar aqueles que, aí sim, enfrentaram momentos de ausência de democracia, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Chico Buarque, entre tantos outros que batalharam por  democracia e por direitos a toda a população; esses que não puderam escrever o que quiseram e que artisticamente precisaram vencer a censura dos mesmos elementos que hoje cantam a música do "Pensador" nas passeatas pró-impeachment e ditadura e com camisas da CBF, em canções como "Cálice", de Chico Buarque. 

De acordo com Lukács, referindo-se à literatura, mas cabendo plenamente à musica, "(...) a penetração do escritor nas profundidades da motivação social e humana, esta ruptura com a motivação superficial e aparente dos eventos (peculiar tanto aos ambientes 'oficiais' quanto às impressões imediatas das próprias massas), constituem para Engels o necessário pressuposto de uma duradoura eficácia das obras de arte."

Hoje, a música que, de fato, protesta contra algo no Brasil não é a de Gabriel, o Pensador nem músicas como "Vossa Excelência" de Titãs, também composta no auge de uma crise política. A música que "penetra nas profundidades da motivação social e humana", como disse Lukács, são os raps praticados nas periferias, cantados por figuras como Racionais MC's, Crioulo e até mesmo Emicida, além de tantos outros que não puderam ser citados. Por sinal, vale a pena ver o mais recente clipe de Emicida, "Boa Esperança", um autêntico demonstrativo da luta de classes brasileira.



Não à toa, esses intérpretes da realidade brasileira condenam a escalada golpista e o comportamento fascista de figuras públicas como Lobão, Roger e Danilo Gentili. Na luta de classes, colocam-se ao lado dos trabalhadores e daqueles que cantam em suas músicas.

Quando eu era adolescente e escutava "Cachimbo da Paz" não entendia por que Gabriel, "o Pensador" era tão esculachado pela turma do rap. Agora está explicado.