quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Literatura e engajamento social: a experiência do Neorrealismo português

A literatura e o contexto

Nos mais variados momentos da História, a arte apresenta-se como mecanismo de transformação da sociedade, ou, pelo menos, como forma de reivindicar a transformação que homens e mulheres almejam.

Na literatura, portanto, não seria diferente. O papel social que ela pode cumprir foi e é alvo de polêmicas e investigações acerca da eficiência ou da maneira como, literariamente, podem-se analisar textos cujo projeto de sociedade está bem delimitado. Várias obras da literatura mundial atestam esse papel que pode ser exercido, o que corrobora a opinião de que o momento histórico pode ser representado nas obras literárias. De acordo com Waizbort (2004) é o terreno concreto, real, histórico que “lastreia e dá tessitura ao problema do realismo, tal como Auerbach o compreende”, não sendo, também, de acordo com Eagleton (1943), adequado entender que a literatura “reflete” de maneira direta a realidade.

Dessa forma, na década de 1930, período histórico que chamamos de “entre- guerras”, marcada pela articulação do Regime Socialista da então União Soviética; a grande crise da bolsa de Nova York e a preparação do que seria o Nazifascismo e a Segunda Grande Guerra, tendo, em Portugal, pela influência fascista, um regime autoritário denominado de Estado Novo, e como liderança a nefasta figura do ditador Salazar, surge um movimento literário que passa a dar atenção primária às tensões entre classes que o mundo e a sociedade como um todo vivia. Nasce daí, então, o Neorrealismo, em oposição à literatura de projeto demasiadamente subjetivista e psicologizante da revista Presença, marcando um estilo em que os projetos de sociedade que duelariam posteriormente na Guerra Fria fossem colocados à mostra na representação que o movimento expunha.

O engajamento na literatura

Segundo o escritor húngaro György Lukács, “a literatura pode representar os contrastes, as lutas e os conflitos da vida social tal como eles se manifestam no espírito, na vida do homem real. Portanto, a literatura oferece um campo vasto e significativo para descobrir e investigar a realidade”.

Para Plekanov (apud Torres, 1983), o artista não deve se limitar ao “auto-comprazimento do seu ego”, pois, dessa forma, desfigura sua forma de enxergar o mundo. Para ele, “tudo o que contribua para que a opressão acabe, tudo isso é progresso social, e uma arte ligada a esta ideia estrutural é certamente uma arte socialmente progressiva.”

Segundo Denis (2002), “o escritor engajado é aquele que assumiu, explicitamente, uma série de compromissos com relação à coletividade, que ligou-se de alguma forma a ela por uma promessa e que joga nessa partida a sua credibilidade e a sua reputação.” Para o autor, “engajar a literatura, parece bem significar que a colocam em penhor: inscrevem-na num processo que a ultrapassa, fazem-na servir a alguma outra coisa que não ela mesma, mas, ainda mais, colocam-na em jogo, no sentido em que ela se torna a parte interessada de uma transação”.

O Neorrealismo

O Neorrealismo português é um movimento literário que teve início entre as décadas de 30 e 40, mais precisamente com a obra Gaibéus de Alves Redol, período em que se iniciou o regime totalitarista em Portugal, a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial, o que justifica o assentamento no compromisso político e social de nomes como Alves Redol, Manuel da Fonseca, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Soeiro Pereira Gomes e Fernando Namora; sem abandonar o apreço pela dimensão formal de suas literaturas.

Segundo Mário Dionísio (apud TORRES, 1983), “(...) O Neorrealismo não se ‘debruça’ sobre o povo, mistura-se com ele a ponto das suas obras não serem mais do que uma das muitas vozes dele”.

Ainda em Torres (1983), retirada de resposta anônima na revista Globo de 1944, pode-se identificar aquela que talvez seja a melhor definição sobre o que, de fato, seria o Neorrealismo, afirmando ser uma oposição ao “Humanismo burguês de oitocentos”. Na resposta, ainda define-se que o Neorrealismo não compreende o homem desligado da vida social e encara-o de um ângulo diferente de observação, desejando um maior aprofundamento do individuo.

Esse engajamento do movimento neorrealista se justifica na origem marxista-leninista de seus autores e da estética do Realismo Socialista da URSS. Além disso, há uma ruptura com os autores do modernismo da geração de 1870, cuja ideologia socialista beirava o utópico ou burguês-liberal, muitas vezes flertando com nomes como Proudhon. Segundo Alexandre Pinheiro Torres, “a recusa deste tipo de socialismo utópico é condição sine qua non para o estabelecimento teórico do Neo-Realismo.

Dentro dessa perspectiva de literatura com intervenção social e influência do Ralismo Socialista, destaca-se a figura do escritor Soeiro Pereira Gomes, morto aos 40 anos de idade, cujo espólio literário é curto: a publicação de dois romances (Esteiros e Engrenagem). Engrenagem, por sinal, publicado postumamente, foi redigido no período de clandestinidade do autor que era dirigente do Partido Comunista Português.

Conclusão

Relembrar esse movimento literário e esses autores é, portanto, de suma importância para compreensão do papel que a arte pode cumprir no sentido de resistência e reação ao status quo. No caso de intelectuais conscientes de seu papel na sociedade, a literatura a música e tantas outras manifestações artísticas têm grande utilidade na tentativa de transformação da influência dialética entre base econômica e superestrutura política e ideológica.

Se é verdade que a ideologia da classe dominante é a ideologia dominante, é verdade também que com base na elevação do nível de consciência da população é possível realizar transformações profundas na nossa sociedade.

Portugal, mesmo não sendo uma nação socialista, viveu isso, com a Revolução dos Cravos, e conseguiu estabelecer um estado mais democrático, justo e culturalmente elevado. Para isso, tenho certeza, a contribuição dos neorrealistas foi fundamental.