sábado, 28 de dezembro de 2013

O Morto

Todo mundo quer ver o morto
O sangue, os olhos e o corpo indefeso
Enfileirados, os homens se juntam
para sentir o arrepio
o ar...
e o frio...

Todos querem o morto
Ladrão ou homem de bem
Atestado de óbito
E beatas dizendo amém
Sacos pretos embrulham
aquilo que assusta e vem

Todos conhecem o morto:
- Era filho da Maria,
levou seis tiros nas costas
em coisa errada se metia.

Todos benzem o morto:
- Que santo que ele era!
Não merecia a morte,
era pra ser o irmão de Vera.

Mas todos temem o morto
e fazem o sinal da cruz
benzendo-se e bem dizendo
o nome do filho Jesus
com medo da face dela
só dormem com acesa a luz.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Poema pra o mundo ver

Não! Não quero o segredo enviesado
do beijo outrora proibido
do poema engavetado
como se fosse bandido

Não! Palavras não se escondem
em linhas enclausuradas
pois mesmo que sejam tortas
divulgam o novo que vem

Preciso de gritos errantes
ou de letras garrafais
outdoors que digam o que antes
eram confidenciais

Quero dizer no jornal
do gosto que agora guardo
na boca, nos olhos e ouvidos
como se fosse retrato

Do amor que tenho vivido
todos precisam saber
transformo o que tenho dito
em poema pra o mundo ver

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Três cores

Mais um ano chegando ao fim. Tempo das pessoas fazerem suas retrospectivas pessoais, dos telejornais realizarem as retrospectivas das grandes notícias do ano fazerem o apanhado do que de mais importante aconteceu durante o ano e, para os afeitos ao esporte bretão, comemorar ou chorar o desempenho do seu time de coração durante o período.

Não me proponho neste texto a nenhuma das três ações acima citadas; mas como, apesar de capaz e estimulado a fazer retrospectivas pessoais e políticas, utilizo este espaço para falar um pouco sobre uma de minhas grandes paixões: o futebol, digo, o Santa Cruz Futebol Clube.

Num ano em que o clube das três cores conquistou dois títulos importantes - tricampeonato pernambucano e campeonato brasileiro da série C - muitas foram as matérias de caráter nacional que deram destaque ao principal feito desse clube. Longe de exaltar, somente no campo, as conquistas realizadas, o poder de mobilização popular de que o Santa Cruz é capaz foi alvo de inúmeras menções Brasil afora. Por mais um ano, o Santa Cruz - mesmo disputando uma série C do campeonato brasileiro - foi um dos clubes com a maior média de público no Brasil. Esse feito não tem sido novidade para sua torcida, que sofrida, e de origem extremamente popular, enxergam no seu clube algo que constitui a sua personalidade e parte importante da sua vida - pedreiros, garis, trabalhadores terceirizados, pessoas simples, que além de contribuir para a popularização desse esporte bretão, encaram com paixão a queda e ascensão do seu time.

Além do já comentado e batido caráter popular do clube da Beberibe, neste ano, uma pitada a mais de irreverência e de identificação com o povo contribuíram para tornar o sofrimento de muitos que choraram a tragédia recente do time em verdadeira alegria. Os gols de uma estrela cujo apelido rememora sua infância pobre, num bairro da periferia do Recife - Flávio Caça-Rato - marcaram uma relação de simbiose entre torcida e clube, entre jogador e time, entre time e povo. Todos, uma só personalidade.

Personalidade. Junto-me a esses milhões de torcedores que viram a tragédia do Santa Cruz e que, ao final de mais um campeonato, choraram, bebemoraram e cantaram as cores desse clube. Nesse momento em que arenas maravilhosas são construídas; em que a presença de torcidas organizadas é discutida e a possível "elitização" do futebol se torna próxima, estive presente para presenciar e me vangloriar junto a todos esses. Estive porque estou certo de que mais do que torcer para um clube, torcer para o Santa Cruz constitui uma personalidade, um lugar na subjetividade dessa palavra de definir. Identifico-me com meu time para além de seus resultados e campeonatos que disputa. Sou um pouco - ou muita parte - de Santa Cruz. Que chora, que ri, que reclama da vida, da bola que nunca entra, dos gols sofridos aos 45 minutos do segundo tempo; mas que, no domingo seguinte, veste sua camisa com a esperança de extravasar o grito de gol. Sou todo Santa Cruz e tenho certeza de que não seria quem sou caso torcesse por outro time. Ser Santa Cruz me faz ser mais povo, me faz valorizar cada vitória e reconhecer em cada momento difícil a esperança de uma nova aurora. É assim, há vinte e seis anos comigo, mas há cem com milhões e milhões. Viva o time do povo, viva o Santa Cruz!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Amador

Faço verso e faço prosa
pra a palavra libertar
encomenda mais viçosa
que eu possa acalentar
prostituto das palavras
capaz de se adaptar

ao amor cantado em estrofe
redondilha ou mi menor
permitam que eu filosofe
se o assunto for pior
pode ser mulher e gaia
política ou futebol

assumo o meu defeito
se não sei o que dizer
mas essa arte tem um jeito
de causar nosso prazer
alguns chamam de catarse
eu chamo só de lazer

é lazer mas é trabalho
escrever sem sentir dor
não é sorte de baralho
botar termo sucessor
pra a palavra que vem antes
e fechar com seu louvor
o poema que se encerra
desse bardo amador.