quarta-feira, 27 de maio de 2015

Falso moralismo de esquerda e de direita na luta pela reforma política



Passo um dia sem acessar a internet e eis que, hoje, deparo-me com a repercussão em torno da votação fatiada de importantes pontos da Reforma Política e, no meu ambiente virtual, uma enxurrada de comentários acerca do posicionamento do PCdoB em torno do distritão. Para melhor elucidar os leigos, moralistas e incrédulos, vale a pena uma pequena regressão sobre a questão da reforma política.

A reforma política nunca foi bandeira levantada por esses grupelhos moralistas e farsantes da política nacional, muito menos por esquerdistas radicais de orientação trotskista ou anarquista. O sistema político vigente no Brasil, extremamente atrasado, sempre beneficiou a entrada de políticos cujo compromisso prioritário é o empresariado que os financiou. A relação, portanto, entre as empresas e a classe política no Brasil sempre se deu de maneira promíscua. Essa relação promíscua permeou a constituição do estado brasileiro, alimentando a rede de benefícios públicos a entes privados e submetendo a classe politica ao interesses desse entes. 

O fato é que, entre tantos anos de história e de inúmeros governos, o efeito desse sistema político - a corrupção - sempre esteve na pauta política brasileira sob um viés moralista e conservador, atribuindo a elementos subjetivos a qualidade individual de ser ou não ser corrupto. Esse discurso, portanto, sempre se apresentou de maneira oportunista pela direita conservadora do país muito antes do PT assumir o poder central  - Getúlio, Jango, Kubitschek foram vítimas dessa ofensiva - até o instante em que Lula se tornou presidente, tendo como principal episódio o escândalo intitulado de "mensalão".

Naquela oportunidade, o PCdoB já se posicionava de maneira consequente em torno do tema. Para os comunistas, era necessário apurar os fatos mencionados, punir os corruptos, mas atacar de maneira mais profunda o problema da corrupção. No entanto, naquele momento, o PCdoB rechaçou todas as tentativas de golpe da direita conservadora do país.

Passando oito anos na história recente do nosso país, chegamos ao derradeiro junho de 2013 - momento de grande efervescência política, em que várias bandeiras de luta das juventudes convergiam, em sua maioria, para o fim da corrupção. Todavia, dentre os milhões de jovens que frequentaram aquelas passeatas, não se via nenhum cartaz pedindo uma Reforma Política (tema que já havia sido tratado de maneira detalhada pelo PCdoB, em seu 12º Congresso, com defesa do fim do financiamento privado de campanha, pelo direito à coligação, voto em lista fechada com alternância de gênero etc.).

Um ano depois, mais um "maior escândalo de corrupção da história" e nenhuma menção à origem do problema: o sistema político-eleitoral brasileiro. Alimentados por uma investigação e julgamento fascistas, a velha mídia e as camadas médias urbanas compraram o discurso, mais uma vez, moralista sobre a corrupção e como grande solução para os problemas do Brasil elegeram o congresso mais conservador desde 1964.

Sendo assim, a esse congresso, coube a missão de barrar o avanço de qualquer iniciativa de fato democratizante da política brasileira e aprovar uma reforma política de cunho conservador e antidemocrático.

O resultado dessa correlação de forças e falta de enfrentamento de maneira unitária pela esquerda nacional foi a tentativa de aprovar, de maneira fatiada, medidas das mais catastróficas para as forças progressistas: cláusula de barreira; voto distrital, constitucionalização do financiamento empresarial etc.

Para temperar ainda mais essa salada, o PT, maior partido de esquerda brasileiro, aliado ao PSDB, passa a defender cláusula de barreira e fim de coligação partidária, contribuindo com a tentativa de acabar com seu histórico aliado, o PCdoB.

Esse PT, envolto ano a a ano em problemas com a justiça, foi, dessa forma, um dos maiores críticos ao voto tático que o PCdoB deu em busca de sua sobrevivência no sistema político burguês, que já relegou o partido a mais de 60 porcento da sua história na ilegalidade.

Dessa forma, o Brasil que os moralistas - de esquerda e de direita - dizem querer dependem de uma reforma política democrática, com unidade das forças progressistas. Nós, sobreviventes, estamos dispostos a fazer a análise dessa primeira batalha por um sistema político mais justo. Aos partidos de esquerda, cabe a análise, em última instância, de quais forças políticas querem ver sustentando o projeto de Brasil forte e soberano; juntar os cacos e arcar com as consequências da falta de sentido estratégico para o país, unidade política de esquerda e hegemonismo cego. Sem essas avaliações, mais confusões nos esperam.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Corrida

Pisa, pisa, pisa
pare o dia para ver surgir caminho
que nos leve para algum lugar

para, para, para
que o tempo passa, corre, chora, muda
e não dá pra  retornar

passa, passa, passa, passa
apressa o passo, pega o vácuo
pra que possa ser mais rápido o seu caminhar

pega, pega, pega, pega
vê se há  chance de ter mais um instante
em que dá pra voar

pode, pode, pode, pode
eu sei que você pode fazer essa pressa
passar devagar

pinta, pinta, pinta, pinta
uma nova vida em que a sua pele
sinta todo ar


domingo, 17 de maio de 2015

Os comunistas no poder: Olinda, cidade renovada


Quando os comunistas se desafiaram a voltar a disputar cargos majoritários nas eleições, certamente colocavam-se diante de imensos passos que precisavam ser dados nas cidades que disputaria e posteriormente do estado que agora governa: o Maranhão.

No entanto, mesmo sabedores do imenso desafio que se abria, em Olinda, cidade da Região Metropolitana do Recife, foram dados os primeiros passos rumo a uma cidade mais humanizada, desenvolvida e em franco processo de construção de justiça social.

Olinda, cidade de 388.821 habitantes em 2014, segundo estimativa do IBGE, num território de apenas 41,681 km², primeira capital da capitania de Pernambuco, teve em sua história recente a marca do desprezo e baixo investimento em seu potencial pelos governantes que por aqui passaram até o ano 2000. Condicionada à pecha de cidade-dormitório e de nula participação da indústria no seu PIB, parecia que a esses governantes essa condição tornava-se quase uma vocação de cidade mal cuidada e despreparada para a modernidade e, ao mesmo tempo, para se afirmar enquanto cidade histórica, de importância ímpar na história do Brasil e do estado.

Para se ter ideia, na cidade que se localiza a 6 km do Recife, havia um cenário de completo abandono, refletindo na qualidade de vida e saúde da população, com o saneamento básico abaixo de qualquer humanidade e moradias sem nenhuma condição. Além disso, vivia-se um período em que a vocação artística, cultural e turística da cidade era desprezada.

Não é nenhum exagero afirmar que o marco da mudança na qualidade de vida da população olindense é justamente a eleição de Luciana Santos para prefeita da cidade no ano 2000. Os comunistas, praticamente estreando em administrações municipais, colocaram as contas do município em dia e buscaram parcerias em vários setores da sociedade, de maneira ampla, constituindo um pacto para fazer o município voltar a crescer e garantir qualidade de vida para a população. Nesses setores, incluem-se empresários (hotelaria, entretenimento, comércio, alimentação), classe política (constituição de ampla aliança) e sociedade civil organizada (movimentos sociais, de cultura, bairros, segmentos etc.)

Dessa mudança extraem-se resultados que se traduzem facilmente em números, como o número de 6.181 empresas atuantes; no aumento do IDHM de 0,648 em 2000 para 0,735 em 2010, além do aumento do PIB da cidade de R$ 1.024,205 em 2000 para R$ 3.687,724 em 2012, ano do fim do primeiro mandato de Renildo Calheiros, ou seja, triplicando esse número.

O indicativo positivo desses números reflete uma criatividade e ousadia na forma de obter recursos para o município, valorizando suas potencialidade e buscando dirimir as deficiências históricas como, principalmente, os problemas da moradia e saneamento básico. 

Em relação a esses dois últimos pontos, o que se viu em Olinda nos últimos 15 anos é um verdadeiro processo de Reforma Urbana. Sua realização, a duras penas, vem sendo feita numa cidade cujo orçamento é curtíssimo para executar obras da magnitude que são vistas na cidade: construção de canais, conjuntos habitacionais, construção de novas avenidas, calçamento de milhares de ruas, urbanização de áreas precárias e elevação da taxa de saneamento a números nunca antes vistos.

Mais do que os números, a presença dos comunistas na Prefeitura de Olinda - tanto de Luciana quanto de Renildo - estabeleceu uma nova relação com os atores sociais da cidade: empresários do entretenimento que enxergam uma melhoria na infraestrutura da cidade e maiores possibilidades de desenvolvimento dos seus negócios; movimentos sociais que dialogam com o poder público, estabelecendo uma relação diferenciada, incluindo-se aí, representantes de religiões de matriz africana, artistas independentes, artesãos, lutadores por moradia etc.

Por fim, nunca é demais dizer que quem circula por essa cidade enxerga de maneira clara a mudança que foi promovida nos últimos anos e enxerga também que vários são os desafios que tem. No entanto, todos são sabedores da importância da continuidade no caminho do desenvolvimento e do cuidado à vida das pessoas que só nesse período pudemos ver. O processo de transformação de Olinda numa cidade plenamente desenvolvida  e justa está apenas começando. Vamos em frente!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A 10ª Conferência do PCdoB e seu sentido histórico



As conferências nacionais do PCdoB, convocadas de maneira extraordinária, refletem as necessidades candentes que por ora surgem no curso da luta política real. Assim foi realizada entre os dias 27 e 30 de agosto de 1943, na Serra da Mantiqueira a 2ª Conferência Nacional, com o intuito de reestruturar o PCdo Brasil, ocasião em que tornava-se necessária sua reestruturação diante do cerco realizado pelo Estado Novo ao partido e as divergências internas quanto ao destino do movimento comunista entre os liquidacionistas, o grupo de união nacional contra Vargas e os camaradas da CNOP, que achavam fundamental a reestruturação do partido para enfrentar as batalhas do momento.

Em 1962, diante da cisão do movimento comunista brasileiro, entre os revisionistas, que, contaminados pelos documentos secretos divulgados por Kruschev no 20º Congresso do PCUS, advogavam a tomada da linha reformista, de convivência pacífica com o capitalismo e os revolucionários que lutavam pela permanência da história de lutas e continuidade do caráter revolucionário do partido, preservando o marxismo-leninismo como norte teórico e o nome do partido como Partido Comunista do Brasil, foi organizada a 5ª Conferência; a conferência que, nas palavras de João Amazonas, "representou a continuidade do velho Partido Comunista do Brasil".

Com o advento daquele que foi um dos episódios mais nefastos de nossa história, o Golpe Militar, em 1966, foi convocada a 6ª Conferência, que apregoava a "União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista". Esse documento afirmava: "Na hora presente, o povo brasileiro tem diante de si importante e urgente tarefa: unir-se para livrar o país da ameaça de recolonização, da grave crise em que se debate e do sistema político ultrarreacionário imposto pela ditadura".

Mais uma vez, em mais um momento difícil da luta dos comunistas, após a Chacina da Lapa, com vários de seus militante presos ou exilados, foi realizada a 7ª Conferência, duas etapas: a primeira no segundo semestre de 78 e a segunda entre junho e julho de 79, onde, mais uma vez, foi preciso realizar um trabalho de reestruturação partidária, que havia sofrido várias baixas.

Em 2003, mais uma vez instado a se desafiar e propor o debate coletivo acerca dos rumos partidários, impulsionados pelo grande êxito que foi a vitória de Lula em 2002 e a possibilidade de abertura de um novo ciclo político que o Brasil poderia vivenciar, o PCdoB realiza sua 9ª Conferência, na qual diz que, naquele momento, em um mundo de ordem unipolar "o êxito da construção da nova estratégia nacional de desenvolvimento está intimamente ligado à reconstrução da soberania do Brasil no plano mundial e da América Latina, e à recomposição do Estado nacional". Daí a decisão, naquele momento de participar do Governo Lula, afirmando que "O apoio e participação do PCdoB no governo Lula tem razões estratégicas porque é através dele, nas atuais condições, que existe a possibilidade de mudança democrática e soberana. Não há alternativa mais avançada, viável, nessa quadra da luta política em nosso país. O fracasso do governo Lula seria também a derrota das forças de esquerda e renovadoras e, mais ainda, a via para a volta das forças conservadoras ao centro do poder."

Hoje, num momento não menos complexo do que os outrora vividos pelos 93 anos de história de nosso partido, mais uma vez nos colocamos diante do desafio de inovar, de se reinventar, mesmo em períodos de turbulência.

A ofensiva que a direita conservadora tem imposto à agenda politica brasileira nos últimos meses não intimida o PCdoB de propor a agenda que os trabalhadores, as mulheres e a juventude almeja nesse período: pela democracia, contra o golpe; pela defesa da Petrobras e da engenharia nacional; por uma reforma politica com fim do financiamento empresarial de campanhas e pela retomada do crescimento econômico sem perdas de direitos dos trabalhadores.

Para além disso, e com significado histórico inigualável, a 10ª Conferência Nacional do PCdoB, cumprindo determinação de seu 13º Congresso, vem realizar a sucessão de sua presidência, para a qual será conduzida a camarada Luciana Santos, representante de uma 4ª geração de comunistas, cujo perfil de dedicação à luta de maneira leve, mas ao mesmo tempo cheia de convicção ideológica trazem confiança do coletivo partidário em torno de sua liderança e competência.

Mais do que isso, a condução de Luciana Santos à presidência do partido atesta o que afirma o documento da conferência quando diz que o novo estatuto partidário aprimora a inter-relação entre permanência e renovação, referendando a nova política de quadros do partido e dando continuidade à direção revolucionária.

A renovação na presidência do partido reafirma aquilo que já dissera João Amazonas: "não há cargos vitalícios no PCdoB". Mais: nosso partido, rotacionado em torno de ideias, demonstra disposição de abrir-se a novas experiências, inclusive daqueles que vivem outro período histórico e que estão dispostos a transformar essa história, vivendo-a e modificando-a.

Na incessante busca de fazer  a revolução com feições nacionais, o PCdoB atualiza-se, afirmando a sua convicção revolucionária e o talento de fazer bem ao Brasil. Juntando em suas fileiras aqueles que derramaram sangue por democracia, por mais direitos e por um país soberano aos filhos daqueles que tombaram na Lapa, no Araguaia, entre outros.

Da justa comunhão de gerações revolucionárias, renova-se a esperança num Brasil justo e economicamente livre, renova-se a certeza de que nossa luta valerá a pena.

Viva a luta do povo brasileiro, viva o PCdoB!

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Até quando Eduardo Cunha?


A pergunta-título deste artigo, tem sido a uma das perguntas que mais circula entre aqueles que tem o mínimo de conhecimento das peripécias - para , não dizer picaretagens - que esse cidadão tem aprontado no período mais recente.

A pergunta, escrita propositalmente sem a vírgula, poderia muito bem vir com esse recurso a fim de fazer a ele esse questionamento: "até quando, Eduardo Cunha?".

Esse cidadão, se é que assim podemos chamá-lo, de ficha corrida e pública de malandragens cometidas em sua política no Rio de Janeiro, passou, com a eleição do parlamento mais conservador desde 64, a ser o porta-voz - de roupagem moderna - de tudo aquilo de mais escuso da sociedade brasileira, já que para a Rede Globo e a Veja pega mal promover figuras como Bolsonaro, coube a Cunha a "alcunha" - com o perdão do trocadilho - de queridinho da Rede Globo.

Essa "bem-querência" toda da grande mídia para com o deputado justifica, por exemplo, o silêncio praticado em torno da investigação que, assim como os petistas execrados, condenados e julgados pela opinião privada, sofre.

O fato é que, de posse da ficha corrida que esse cidadão tem, para a Rede Goebbels de televisão, a investigação e as acusações que Eduardo Cunha sofre nada mais são do que um detalhe no seu vasto currículo de oportunismo, chantagens e roubalheiras que o nobre deputado tem. Para a Globo, mantê-lo até que sejam esquecidos uma Reforma Política democrática e um projeto de regulação da mídia é o suficiente. Até lá, será poupado da execração pública.

Enquanto isso, nada para a ofensiva provocada pelo parlamentar, que tal qual Hitler na 2ª Guerra Mundial, pratica a tática da guerra rápida, ofensiva e sem chances ao adversário. Em menos de cinco meses, aprovou grande parte das medidas que o fascismo envernizado do Brasil desejava. E vem mais por aí caso não o paremos!

Além disso, o ilustre cidadão desafia a autoridade de nossas instituições ao questionar de maneira soberba a indicação do Rodrigo Janot à PGR, chantageando a presidenta Dilma e tentando jogar a opinião pública contra o Procurador.

O fato é que Eduardo Cunha tem sido um dos principais pivores da investigação da Operação Lava-Jato. Em depoimento recente, Alberto Youssef, "cagueta" do esquema milionário de propina, revela: "Cunha era destinatário final de propina" paga pelo aluguel de navios-sonda para a Petrobras em 2006.

Dito isso, como não esperamos muita coisa desse julgamento fascista promovido pelo juiz Moro, cabe a pergunta aos leitores: "Até quando Eduardo Cunha?", assim, sem vírgulas, para que nos livremos de figuras nefastas como esse, só a mobilização popular, pois como foi provado na segunda votação do PL 4330, ele, como mais uma centena de "achacadores" que ali estão não aguentam a nossa ofensiva. Contra mais um inimigo da nação, pra cima deles!

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um outro olhar sobre a miséria



Na longa trajetória de edificação do novo homem que é exigida para superar esta etapa atual de desenvolvimento da sociedade, é urgente que sejam, como dito em outro momento, estabelecidas novas relações entre aqueles que, como vanguarda, estão à frente de seu tempo e a sociedade em que vivem. Em resumo: não podemos olhar a paisagem com o mesmo par de óculos que a média da população. Daí, entre tantos elementos, como os já citados machismo, racismo e homofobia, também precisamos estabelecer um outro olhar sobre a miséria.

A miséria, assim como tantas outras mazelas, são produtos do desenvolvimento desigual do capitalismo, de sua concentração de renda e de sua contradição fundamental: organização social do trabalho e apropriação privada das riquezas. No entanto, como havia dito Marx e Engels,  no Manifesto do Partido Comunista, "as armas de que a burguesia se serviu para derrubar o feudalismo voltaram-se agora contra a própria burguesia. Mas a burguesia não forjou apenas as armas que a levarão à morte; produziu também os homens que empunharão essas armas: os operários modernos, os proletários".

Em oposição a esses que empunharão as armas, a sociedade capitalista cria mecanismos de controle, persuadindo aqueles que se encontram em situação precária em seus trabalhos a assinarem "livremente" o contrato de venda da sua força de trabalho pelo grande receio de não fazer parte do exército industrial de reserva, que diz respeito à parcela populacional que não está empregada pelo capital e lhe está disponível para ser empregada. Daí, quanto maior for o exército industrial de reserva, maior é a facilidade dos capitalistas de rebaixarem os salários dos trabalhadores, aumentando a distância social e econômica que separa os capitalistas dos trabalhadores.

No entanto, ao se tratar da miséria humana, nessa grande massa de cerca de 3,3 bilhões de pobres e miseráveis no mundo, é preciso identificar a existência, nessa massa, dos três grupos de que Marx trata em O Capital: o grupos dos aptos para o trabalho; os candidatos a exército industrial de reserva e os "degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho", que são, segundo Marx, "indivíduos que sucumbem devido a sua imobilidade, causada pela divisão do trabalho". Esses três grupos, constituem, nas palavras de Marx, o lumpemproletariado. Ainda de acordo com Marx, "o pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva".

No mundo, hoje, estima-se que 10% da população detenha 85% da riqueza e para 45% da população, sobre 3% da riqueza global. De acordo com o Banco Mundial, pobres são os que recebem entre 1,25 e 2 dólares por dia , enquanto que os extremamente pobres são aqueles que recebem menos de 1,25 dólares. A grande maioria desses se concentra na África, América Latina e Ásia. No Brasil, mesmo com a retirada de 30 milhões de pessoas da linha da extrema pobreza, ainda há um contingente de cerca de 9 milhões de miseráveis e 3,4 milhões de pessoas em situação de subalimentação.

Diante do acima mencionado, uma pergunta não poderá deixar de ser feita: qual é a postura ético-revolucionária para com a miséria do nosso cotidiano?

Che Guevara, heroico revolucionário argentino, um dos líderes da revolução cubana, produziu, talvez, aquela que seja a frase de melhor tradução daquela que deve ser a nossa atitude: "se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros".

Recorro a essas palavras pelo fato de entender que, mesmo sabendo que a miséria não se combate com esmolas e olhares piedosos (apenas), é preciso estabelecer uma relação mais humanizada perante as mazelas sociais que nos cercam, ou, ainda mais, estabelecer relações mais dignas com os trabalhadores como um todo, sejam eles do exército industrial de reserva ou não. 

Quantas vezes desumanizamo-nos na não menos importante tentativa de transformar o modelo econômico de sociedade e naturalizamos a miséria que ronda nossa porta? Qual a relação que estabelecemos com os empregados domésticos de nossa casa? Com os garçons que nos servem ou com os que constituem esse bloco de miseráveis pelo mundo?

Perguntas como essas constituem a base de edificação desse novo homem de que falamos. Porque, concordando com as palavras de Paulo Freire, quando diz "eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.", devemos estabelecer novas relações, mais humanas, mais solidárias, menos individualistas. Pois, como, mais uma vez, dissera Che Guevara: "o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor."