A literatura e o contexto
Nos mais variados
momentos da História, a arte apresenta-se como mecanismo de transformação da
sociedade, ou, pelo menos, como forma de reivindicar a transformação que homens
e mulheres almejam.
Na literatura,
portanto, não seria diferente. O papel social que ela pode cumprir foi e é alvo
de polêmicas e investigações acerca da eficiência ou da maneira como, literariamente,
podem-se analisar textos cujo projeto de sociedade está bem delimitado. Várias
obras da literatura mundial atestam esse papel que pode ser exercido, o que
corrobora a opinião de que o momento histórico pode ser representado nas obras
literárias. De acordo com Waizbort (2004) é o terreno concreto, real, histórico
que “lastreia e dá tessitura ao problema do realismo,
tal como Auerbach o compreende”, não sendo, também, de acordo com Eagleton
(1943), adequado entender que a literatura “reflete” de maneira direta a
realidade.
Dessa forma, na
década de 1930, período histórico que chamamos de “entre- guerras”, marcada
pela articulação do Regime Socialista da então União Soviética; a grande crise
da bolsa de Nova York e a preparação do que seria o Nazifascismo e a Segunda
Grande Guerra, tendo, em Portugal, pela influência fascista, um regime
autoritário denominado de Estado Novo, e como liderança a nefasta figura do
ditador Salazar, surge um movimento literário que passa a dar atenção primária
às tensões entre classes que o mundo e a sociedade como um todo vivia. Nasce
daí, então, o Neorrealismo, em oposição à literatura de projeto demasiadamente
subjetivista e psicologizante da revista Presença, marcando um estilo em que os
projetos de sociedade que duelariam posteriormente na Guerra Fria fossem colocados
à mostra na representação que o movimento expunha.
O engajamento na literatura
Segundo o escritor húngaro György
Lukács, “a literatura pode representar os contrastes, as lutas e os conflitos
da vida social tal como eles se manifestam no espírito, na vida do homem real.
Portanto, a literatura oferece um campo vasto e significativo para descobrir e
investigar a realidade”.
Para Plekanov
(apud Torres, 1983), o artista não deve se limitar ao “auto-comprazimento do
seu ego”, pois, dessa forma, desfigura sua forma de enxergar o mundo. Para ele,
“tudo o que contribua para que a opressão acabe, tudo isso é progresso social,
e uma arte ligada a esta ideia estrutural é certamente uma arte socialmente
progressiva.”
Segundo Denis
(2002), “o escritor engajado é aquele
que assumiu, explicitamente, uma série de compromissos com relação à
coletividade, que ligou-se de alguma forma a ela por uma promessa e que joga
nessa partida a sua credibilidade e a sua reputação.” Para o autor, “engajar a literatura, parece bem
significar que a colocam em penhor: inscrevem-na num processo que a ultrapassa,
fazem-na servir a alguma outra coisa que não ela mesma, mas, ainda mais,
colocam-na em jogo, no sentido em que ela se torna a parte interessada de uma
transação”.
O Neorrealismo
O Neorrealismo
O Neorrealismo
português é um movimento literário que teve início entre as décadas de 30 e 40,
mais precisamente com a obra Gaibéus de
Alves Redol, período em que se iniciou o regime totalitarista em Portugal, a
Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial, o que justifica o
assentamento no compromisso político e social de nomes como Alves Redol, Manuel
da Fonseca, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Soeiro Pereira Gomes e Fernando
Namora; sem abandonar o apreço pela dimensão formal de suas literaturas.
Segundo Mário
Dionísio (apud TORRES, 1983), “(...) O Neorrealismo não se ‘debruça’ sobre o
povo, mistura-se com ele a ponto das suas obras não serem mais do que uma das
muitas vozes dele”.
Ainda em Torres (1983), retirada de resposta
anônima na revista Globo de 1944,
pode-se identificar aquela que talvez seja a melhor definição sobre o que, de
fato, seria o Neorrealismo, afirmando ser uma oposição ao “Humanismo burguês de
oitocentos”. Na resposta, ainda define-se que o Neorrealismo não compreende o
homem desligado da vida social e encara-o de um ângulo diferente de observação,
desejando um maior aprofundamento do individuo.
Esse engajamento do
movimento neorrealista se justifica na origem marxista-leninista de seus
autores e da estética do Realismo Socialista da URSS. Além disso, há uma
ruptura com os autores do modernismo da geração de 1870, cuja ideologia
socialista beirava o utópico ou burguês-liberal, muitas vezes flertando com
nomes como Proudhon. Segundo Alexandre Pinheiro Torres, “a recusa deste tipo de
socialismo utópico é condição sine qua non para o estabelecimento teórico do
Neo-Realismo.
Dentro
dessa perspectiva de literatura com intervenção social e influência do Ralismo
Socialista, destaca-se a figura do escritor Soeiro Pereira Gomes, morto aos 40
anos de idade, cujo espólio literário é curto: a publicação de dois romances
(Esteiros e Engrenagem). Engrenagem, por sinal, publicado postumamente, foi
redigido no período de clandestinidade do autor que era dirigente do Partido
Comunista Português.
Conclusão
Relembrar esse movimento literário e
esses autores é, portanto, de suma importância para compreensão do papel que a
arte pode cumprir no sentido de resistência e reação ao status quo. No caso de
intelectuais conscientes de seu papel na sociedade, a literatura a música e
tantas outras manifestações artísticas têm grande utilidade na tentativa de
transformação da influência dialética entre base econômica e superestrutura
política e ideológica.
Se é verdade que a ideologia da classe
dominante é a ideologia dominante, é verdade também que com base na elevação do
nível de consciência da população é possível realizar transformações profundas
na nossa sociedade.
Portugal, mesmo não sendo uma nação
socialista, viveu isso, com a Revolução dos Cravos, e conseguiu estabelecer um
estado mais democrático, justo e culturalmente elevado. Para isso, tenho
certeza, a contribuição dos neorrealistas foi fundamental.