Certa vez, não faz muito tempo,
escrevi neste blog sobre o preconceito propagandeado por usuários de redes
sociais contra os supostos “erros de português” cometidos nas mesmas. Episódios
como esses, além da minha experiência profissional, estimulam-me a continuar
raciocinando sobre algo fundamental na constituição de uma nação: o ensino de
sua língua materna; em nosso caso, do português.
De fato, o primeiro contato que
temos com toda a história de se estudar a língua que falamos é através da
escola, e através da maneira pela qual a escola encara como deve passar um
conteúdo que é, sobretudo, metalinguístico. Além do bê-a-bá inicial para
aprender a ler, segue-se uma série de conceitos por muitos desconhecidos:
substantivos, adjetivos, verbos, adjuntos adnominais. Portanto, como lidar com
tais conceitos e formar, principalmente, leitores?
Na universidade, os postulantes a
professores de língua portuguesa são submetidos ao debate sobre a eficiência ou
não do ensino tradicional, baseado na gramática prescritiva, ou sobre o uso do texto como base de todo ensino
de uso da língua. Para adentrar nessa (falsa?) polêmica, é preciso fazer uma
regressão e lembrar alguns fenômenos ocorridos no Brasil.
Primeiramente, é preciso lembrar
que a Universidade é uma instituição relativamente recente no Brasil. Em
comparação a outros países da América Latina, o Brasil partiu bem depois. Para
se ter exemplo, praticamente um século antes, países como o Chile já tinham
catalogadas e estudadas centenas de línguas de seus povos autóctones, mesmo com
a dominação espanhola e, consequentemente, de sua língua ter-se tornado
dominante. No Brasil, além de um notório desprezo pelas línguas indígenas, a
formação de uma elite “estrangeira” em nosso próprio país contaminou também a
maneira pela qual valores como a língua eram passados e estudados; ou seja,
voltados à Europa. Para além dessas questões, saltam aos olhos o fato de, mesmo
assim, o Brasil – país de extenso território – falar a mesma língua.
Dessa forma, o ensino da língua
portuguesa, dentro dessa lógica colonialista sempre teve, no Brasil, ares de
doutrina, seguindo-se regras da chamada gramática prescritiva da qual se
precisava afirmar o que pode e o que não se pode fazer. Além, é claro, da
segmentação estrutural da língua, que até hoje é passada com ares de ciência.
Entretanto, o estudo da língua(gem), mundialmente, adquiriu nova importância,
sobretudo depois da proposta estruturalista de Ferdinand Saussere, mas também,
através de seus desdobramentos - tanto
favoráveis quanto contrários às suas teses.
No Brasil, tenho a ligeira
impressão de que a ciência Linguística só veio se tornar “popular” através do boom da Sociolinguística, que passou a
considerar elementos sociais para analisar, estudar e ensinar línguas. Para
muitos, inclusive, no Brasil, Linguística virou sinônimo de Sociolinguística,
pondo em polos opostos e em constante luta intelectual, radicais de dois tipos:
primeiro os “filólogos”, gramáticos prescritivistas, amantes da boa regra de
uso da língua; do outro lado, os radicais da boa comunicação e do “se
comunicou, não tem problema”. Essa polêmica tem – a bem da verdade – gerado até
hoje efeitos danosos na prática cotidiana da sala de aula, desequilibrada.
A evidência que encontro, todos
os dias, em sala de aula, é que o professor de língua portuguesa ainda vive a
eterna dúvida sobre o que ensinar: a regra ou o texto? Como formar bons
leitores? Digo isso, porque, se por um lado houve um exagero na exigência da
regra, é óbvio que houve, também, um afrouxamento após se propor o ensino
unicamente através dos textos. A universidade brasileira, sobretudo nos cursos
de licenciatura – especialmente na Pedagogia – não preparou o alicerce
fundamental para isso ainda. A gramática – exercício fundamentalmente
metalinguístico – através do bom estudo da sintaxe também possibilita o
conhecimento da tecitura, dos fios
que compõem um bom texto, cada bordado, cada “miúdo”.
Espero, na condição de professor
e militante, que os investimentos vindouros em educação possam capacitar melhor
nossos profissionais, a começar por quem e como compõem as LDB’s etc. É
fundamental criarmos mecanismos que possam elevar o nível de leitura para
tornar esse país uma potência econômica e educacional. Por isso, é tão
importante que formemos pessoas capacitadas a conhecer, reproduzir e
transformar a língua que usa. A língua que constitui a nossa nacionalidade.
Acreditar num país mais forte é também ter em mente a possibilidade de
oportunizar cada vez mais pessoas de usarem a sua língua em pé de igualdade aos
que têm “educação de qualidade”. Começar pelo ensino disso é, ou poderia ser, um excelente começo.
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