quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sobre o ensino de língua portuguesa




Certa vez, não faz muito tempo, escrevi neste blog sobre o preconceito propagandeado por usuários de redes sociais contra os supostos “erros de português” cometidos nas mesmas. Episódios como esses, além da minha experiência profissional, estimulam-me a continuar raciocinando sobre algo fundamental na constituição de uma nação: o ensino de sua língua materna; em nosso caso, do português.

De fato, o primeiro contato que temos com toda a história de se estudar a língua que falamos é através da escola, e através da maneira pela qual a escola encara como deve passar um conteúdo que é, sobretudo, metalinguístico. Além do bê-a-bá inicial para aprender a ler, segue-se uma série de conceitos por muitos desconhecidos: substantivos, adjetivos, verbos, adjuntos adnominais. Portanto, como lidar com tais conceitos e formar, principalmente, leitores?

Na universidade, os postulantes a professores de língua portuguesa são submetidos ao debate sobre a eficiência ou não do ensino tradicional, baseado na gramática prescritiva, ou  sobre o uso do texto como base de todo ensino de uso da língua. Para adentrar nessa (falsa?) polêmica, é preciso fazer uma regressão e lembrar alguns fenômenos ocorridos no Brasil.

Primeiramente, é preciso lembrar que a Universidade é uma instituição relativamente recente no Brasil. Em comparação a outros países da América Latina, o Brasil partiu bem depois. Para se ter exemplo, praticamente um século antes, países como o Chile já tinham catalogadas e estudadas centenas de línguas de seus povos autóctones, mesmo com a dominação espanhola e, consequentemente, de sua língua ter-se tornado dominante. No Brasil, além de um notório desprezo pelas línguas indígenas, a formação de uma elite “estrangeira” em nosso próprio país contaminou também a maneira pela qual valores como a língua eram passados e estudados; ou seja, voltados à Europa. Para além dessas questões, saltam aos olhos o fato de, mesmo assim, o Brasil – país de extenso território – falar a mesma língua.

Dessa forma, o ensino da língua portuguesa, dentro dessa lógica colonialista sempre teve, no Brasil, ares de doutrina, seguindo-se regras da chamada gramática prescritiva da qual se precisava afirmar o que pode e o que não se pode fazer. Além, é claro, da segmentação estrutural da língua, que até hoje é passada com ares de ciência. Entretanto, o estudo da língua(gem), mundialmente, adquiriu nova importância, sobretudo depois da proposta estruturalista de Ferdinand Saussere, mas também, através de seus desdobramentos  - tanto favoráveis quanto contrários às suas teses.

No Brasil, tenho a ligeira impressão de que a ciência Linguística só veio se tornar “popular” através do boom da Sociolinguística, que passou a considerar elementos sociais para analisar, estudar e ensinar línguas. Para muitos, inclusive, no Brasil, Linguística virou sinônimo de Sociolinguística, pondo em polos opostos e em constante luta intelectual, radicais de dois tipos: primeiro os “filólogos”, gramáticos prescritivistas, amantes da boa regra de uso da língua; do outro lado, os radicais da boa comunicação e do “se comunicou, não tem problema”. Essa polêmica tem – a bem da verdade – gerado até hoje efeitos danosos na prática cotidiana da sala de aula, desequilibrada.

A evidência que encontro, todos os dias, em sala de aula, é que o professor de língua portuguesa ainda vive a eterna dúvida sobre o que ensinar: a regra ou o texto? Como formar bons leitores? Digo isso, porque, se por um lado houve um exagero na exigência da regra, é óbvio que houve, também, um afrouxamento após se propor o ensino unicamente através dos textos. A universidade brasileira, sobretudo nos cursos de licenciatura – especialmente na Pedagogia – não preparou o alicerce fundamental para isso ainda. A gramática – exercício fundamentalmente metalinguístico – através do bom estudo da sintaxe também possibilita o conhecimento da tecitura, dos fios que compõem um bom texto, cada bordado, cada “miúdo”.


Espero, na condição de professor e militante, que os investimentos vindouros em educação possam capacitar melhor nossos profissionais, a começar por quem e como compõem as LDB’s etc. É fundamental criarmos mecanismos que possam elevar o nível de leitura para tornar esse país uma potência econômica e educacional. Por isso, é tão importante que formemos pessoas capacitadas a conhecer, reproduzir e transformar a língua que usa. A língua que constitui a nossa nacionalidade. Acreditar num país mais forte é também ter em mente a possibilidade de oportunizar cada vez mais pessoas de usarem a sua língua em pé de igualdade aos que têm “educação de qualidade”. Começar pelo ensino disso é, ou poderia ser, um excelente começo.

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