quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Universidade brasileira e seus mecanismos de ingresso: mudanças em curso


Um dos elementos da sociedade brasileira que mais marcou e marca a divisão de classes e entre interesses nacionais ou estrangeiros, com certeza, é a universidade. Basta percebermos que, no Brasil, a universidade só foi criada a fim de atender aos interesses de uma pequena minoria, sem para isso ter suas funções sociais bem definidas.

Essa pequena minoria, para a qual a universidade não teria uma função social de investigação científica e produção de conhecimento, o status de cursar o ensino superior era obtido através das viagens dos filhos das elites a Portugal ou a outros países europeus a fim de estudar medicina, direito etc.. O destino era, por muitas vezes, a Universidade de Coimbra.

Foi com essa mentalidade que a elite brasileira foi sendo formada e, diferentemente da elite da América Espanhola que, logo no início do século XVI, implantou o sistema universitário em México, Guatemala, Peru, Cuba, Chile e Argentina, o Brasil só passou a contar com algo parecido a partir da migração da Família Real portuguesa para o Brasil em 1808. Nesse contexto é que são criados o Curso Médico de Cirurgia na Bahia e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica no Hospital Militar do Rio de Janeiro. Obviamente, a criação desses cursos superiores não se preocupava com função social nenhuma além da formação da elite que, assim, era poupada de viajar a Coimbra para obter o título. Mas é só em 1915 que a universidade, como um conjunto de faculdades, é criada no Brasil.

A criação tardia dessa instituição no Brasil explica o fato de, historicamente, a universidade ter sido tão excludente; afinal de contas, o ingresso nas poucas que existiam estava tacitamente reservado às elites, portanto, o método de entrada sempre passou por sua condição social e familiar, passando longe das necessidades nacionais em desenvolver determinadas áreas, acentuando a separação capitalista entre educação e trabalho. Sendo assim, aos 40% de negros que eram proibidos de estudar, quando a proibição acabou legalmente, ela continuou na prática de o quê e como negros e pobres poderiam estudar.

Foi dessa forma que, por quase um século de existência, a universidade instituiu-se como um dos principais privilégios da elite brasileira. Além de esnobar seu poderio econômico, essa elite estava preparada para perpetuar-se no poder, e um dos mecanismos que mais legitimou isso durante esse período foi o vestibular.

O vestibular, mais que uma prova para “testar o conhecimento”, “aferir a capacidade” de um postulante a uma vaga na universidade era, e em alguns casos ainda é, um grandíssimo esquema de exclusão dos que não estudavam nas grandes escolas, uma prova que testava, na verdade, quantas questões você conseguiria não errar; além, é claro de alimentar os bolsos de tubarões de ensinos das grandes escolas particulares e cursinhos preparatórios.

Com a decisão política tomada pelos governos Lula e Dilma de expandir a universidade para a grande maioria da população, além da mudança numérica – que é fundamental – passou a existir uma mudança, também, na lógica de ingresso. Eles, além de terem dobrado o número de estudantes matriculados no Ensino Superior, passando de 3,5 milhões para 7,1 milhões, criando 18 universidades federais, 173 campi e uma série de programas como FIES e PROUNI, implementaram a cota e adotaram o ENEM como mecanismo de entrada à universidade. Com o ENEM e o SISU, os estudantes podem concorrer a vagas em 115 universidades públicas e 4.700 cursos, além de suas notas servirem como acesso às bolsas do PROUNI.

A reação, portanto, não poderia ter sido diferente. À elite, que antes em Coimbra e depois nas federais, coube o papel lamentável de tentar barrar todas as iniciativas de democratização da universidade. Porém, o mais lamentável é terem colocado seus esforços contra uma proposta pedagógica muito mais avançada e justa do que a dos antigos vestibulares. É óbvio a qualquer um que procure ler as provas de até o ano de 2004 e as do ENEM a diferença de proposta, afinal de contas as comissões de vestibulares e concursos não devem ou não deveriam ser instituições programadas para tolher a vontade de se ingressar na universidade. Enquanto isso, uma indústria por trás de cursinhos, professores e editoras lucravam com a antiga prova de “isso você não vai saber fazer”.


É dessa forma que esses, que viram seus privilégios diminuírem, entendem que deveria funcionar o ensino superior no país. Felizmente, acordamos a tempo, fazendo com que em 12 anos a taxa de jovens entre 18 e 24 anos passou para 28%. Não deve ser fácil aos que passaram 500 anos tentando instituir privilégios conviver com isso. Universidade do povo e para o povo começa com mecanismo de entrada real, justo. O fim do vestibular foi e é um objetivo histórico de entidades estudantis compromissadas com a democratização do Ensino Superior. O ENEM é um caminho.

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