sábado, 28 de março de 2015

Se Josué fosse vivo...















A fome como tema 

Certa vez, em seu livro "A Geografia da Fome", afirmou o médico, geógrafo, romancista e sociólogo Josué de Castro acerca do fenômeno da fome: "Ao lado dos preconceitos morais, os interesses econômicos das minorias dominantes também trabalhavam para escamotear o fenômeno da fome do panorama espiritual moderno. É que ao imperialismo econômico e ao comércio internacional a serviço do mesmo interessava que a produção, a distribuição e o consumo dos produtos alimentares continuassem a se processar indefinidamente como fenômenos exclusivamente econômicos - dirigidos e estimulados dentro dos seus interesses econômicos - e não como fatos intimamente ligados aos interesses da saúde pública."[1]

Uma possível interpretação dessa afirmativa, ao tomar conhecimento da obra de Josué de Castro, é a preocupação constante que o pernambucano nutria para com aqueles que padeciam de fome e como esse "efeito colateral" do desenvolvimento capitalista que matava - e ainda mata - milhões de pessoas ao redor do mundo, e como matava no Brasil.

Engrenagem capitalista 

Esse "efeito colateral" sempre foi peça da engrenagem capitalista no Brasil. Um país de incontáveis recursos naturais que negou à imensa parcela populacional o direito de fazer três refeições diárias, alimentando, desde as eras de desenvolvimento baseado na exploração dos recursos naturais até recentemente, a lógica traduzida pelos militares de que era preciso "fazer o bolo crescer" para então dividi-lo. O fato é que foram 500 anos de manutenção da lógica de desenvolvimento em detrimento da qualidade de vida da maioria da população e, no mais alto grau, a negação do direito de se alimentar para milhões de brasileiros.

Segundo Josué de Castro, "com a extensão territorial de que o país dispõe e com sua infinta variedade de quadros climato-botânicos, seria possível produzir alimentos suficientes para nutrir racionalmente uma população várias vezes igual ao seu atual efetivo humano; e se nossos recursos alimentares são até certo ponto deficitários e nossos hábitos alimentares defeituosos, é que nossa estrutura econômico-social tem agido sempre num sentido desfavorável ao aproveitamento racional de nossas possibilidades geográficas."[2]

Com a tomada do neoliberalismo no Brasil, transformando nosso país num verdadeiro quintal do imperialismo estadunidense, passamos a obedecer cegamente a divisão internacional imperialista do trabalho, transformando-nos num país líder em produção de grãos, carne e outros produtos, mas deixando 60 milhões de brasileiros em situação de miséria, ao ponto de tomarem sopa de papelão e de ter a fome como manchete fixa dos jornais brasileiros.

Novos ares

Em 2003, com a chegada de Lula à Presidência da República, o primeiro passo foi dado em relação à crítica que Josué de Castro fazia sobre o fingimento com que era tratado o problema da fome no mundo, segundo o autor, o silêncio em torno da fome era premeditado pelos interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de "nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente."[3]

Lula, em seu discurso de posse no Congresso[4], cita a palavra fome 14 vezes, com destaque para as seguintes passagens:

Como disse em meu primeiro pronunciamento após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida. 


É por isso que hoje conclamo: Vamos acabar com a fome em nosso país. Transformemos o fim da fome em uma grande causa nacional, como foram no passado a criação da Petrobras e a memorável luta pela redemocratização do país.

Essa é uma causa que pode e deve ser de todos, sem distinção de classe, partido, ideologia. Em face do clamor dos que padecem o flagelo da fome, deve prevalecer o imperativo ético de somar forças, capacidades e instrumentos para defender o que é mais sagrado: a dignidade humana.


Necessidades materiais

Josué de Castro e Lula, longe de serem comunistas, aproximam-se ao afirmarem, através de suas práticas, da ideia de que é impossível garantir o desenvolvimento sem antes satisfazer as necessidades materiais. Para Stálin, "a lei econômica fundamental do socialismo é a garantia da máxima satisfação das necessidades materiais e culturais, sempre crescentes, de toda a sociedade, por meio do aumento e do aperfeiçoamento ininterruptos da produção socialista à base de uma técnica superior."[5]

Obviamente, mesmo não sendo à base de uma "produção socialista", foi o governo do presidente operário e a continuação desse projeto pela presidenta Dilma que garantiram ao Brasil que um contingente de 15,6 milhões de pessoas superassem a subalimentação e retirassem o país do vergonhoso mapa da fome, conforme relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Mesmo sabendo que ainda há 3,4 milhões de pessoas em estado de subalimentação, esses números e mudanças orgulhariam o ex-presidente da FAO, Josué de Castro, visto os números negativos da época em que viveu e os da década de 90.

"Ô, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça"



Por isso, entre tantas outras razões, é de se imaginar que, à minoria privilegiada economicamente, sobre o papel lamentável de combater os anos de mudanças por que o Brasil tem passado. Ver, não apenas suas necessidades serem satisfeitas, mas as da maioria, é, de fato, inquietante para eles. Nesse quadro de intolerância e ódio, não é de se estranhar se víssemos faixas de "Fora, Josué!", caso ele fosse vivo, assim como fizeram com Paulo Freire. Essa elite, não incomodada com a miséria alheia, é ferozmente traduzida por Chico Science: "ô, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça". Mas, aos brasileiros, como Josué, a mensagem de esperança dos que lutam por justiça: estamos vencendo a fome, a miséria e o esquecimento de milhões de brasileiros; vamos vencer os urubus e o ódio! 

Referências:

[1] CASTRO, Josué. Geografia da Fome. Editora Brasiliense, 5ª edição. São Paulo, 1957.
[2] idem.
[3] idem.
[4] http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44275.shtml
[5]https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/materialismo/02.htm

segunda-feira, 23 de março de 2015

Dica musical: Breaking Benjamin

O blog "Verbalize" vem sempre trazendo algumas dicas musicais baseadas no gosto deste que vos escreve. Como as minhas referências musicais partem desde a época de adolescência e se desenvolve a cada som novo que escuto, fica difícil definir um gênero majoritário para as sugestões musicais aqui divulgadas.

Por isso, desta vez, fica a dica em torno dessa banda de metal alternativo e post-grunge, norte-americana, Breaking Benjamin, e seu álbum Saturate. O álbum, primeiro da banda, lançado em 2002, conta com singles como Polyamorous; Run Like Hell e Skin.

Para quem curtiu a adolescência e as bandas de rock surgidas na década de 90 e teve contato com bandas cuja voz rouca dos vocalistas era traço marcante, como Pearl Jam e Soundgarden, com certeza pode achar nessa banda pontos positivos para sua avaliação.

Fica a dica!




terça-feira, 17 de março de 2015

Ocupar a luta nas cidades e unificar os movimentos sociais!



No curso da polarização em que a sociedade brasileira tem se encontrado nos últimos meses, um fenômeno perceptível há, no mínimo, dois anos, sobretudo com as manifestações de junho de 2013, tem sido a qualidade de vida nas cidades. No Recife, cidade cujo desenvolvimento, historicamente, entrou em contradição com a qualidade de vida da classe trabalhadora, reincidentemente tendo sido "jogada" à periferia, ou ao que alguns chamam de "não-cidade", movimentos cuja reivindicação principal passou a ser a valorização e melhor utilização dos espaços públicos passaram a ser protagonistas na cena da manguetown, como é o caso do movimento "Ocupe Estelita".

A relação proposta no título desse texto, parte, é claro, da certeira noção de que parte da insatisfação da denominada classe média para com a classe política parte da inviolável certeza de que, embora os avanços conquistados nos últimos anos, sobretudo relativos ao aumento do consumo da classe trabalhadora, não se desenvolveram em par de igualdade com o aumento da qualidade de vida de "casa para fora". Ou seja, ao cruzar a rua, a sociedade passou a se deparar com, ou perceber, serviços públicos de baixa qualidade.

Obviamente, num país cuja população é majoritariamente urbana, o direito à cidade passe a ser pauta prioritária dos movimentos sociais. Nas palavras de David Harvey, "O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais do que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade, haverá também uma luta contra o capital."

Levando isso em consideração, é impossível fazer a luta pelo direito à cidade, por cidades mais humanas, sem propor, de maneira consciente, uma Reforma Urbana, já que, na luta contra o capital, é preciso denunciar o modelo de desenvolvimento que nos legou esses tipos de cidades. Mas ao levar em consideração tais elementos é inquestionável a necessidade de optarmos por projetos que, ao adotarem determinado modelo de desenvolvimento, possam realizar as transformações de que as cidades precisam.

O Recife, cidade cujo desenvolvimento sempre se deu às custas de seu patrimônio ambiental, histórico e cultural, viveu, no período mais recente, em torno da bandeira mais ampla de direito às cidades, um momento de grande efervescência após a idealização do projeto Novo Recife por um consórcio de empresas, cujo principal objetivo era a construção de um complexo de prédios em uma área de monumento histórico de nossa cidade - o Cais José Estelita. Surge, a partir daí, um movimento amplo, de tentativa de preservação de nossa história e melhor ocupação dos espaços da cidade.

No bojo das manifestações, vitórias e derrotas, adesões e tentativas de negociações se passaram, até que a adesão popular ao movimento tenha esfriado. Esse resfriamento, por ora devendo-se ao acirramento da luta política mais geral, além da inabilidade do movimento em dialogar de maneira mais propositiva, poderia ser revertido caso o movimento Ocupe Estelita se propusesse a fazer parte dessa luta política mais geral, afinal de contas, levando em consideração a radicalização da luta de classes no Brasil e as mais expostas contradições acerca dos modelos de desenvolvimento propostos, caberia uma simples pergunta ao movimento: "que projeto de país poderia garantir a cidade que queremos? Que projeto poderia garantir uma reforma urbana?"

No entanto é óbvio que essa reforma não seria feita do dia para a noite, sobretudo porque se trata de trilhões de reais que precisariam ser investidos em infraestrutura para garantir essa revolução urbana de que o país necessita. Mas torna-se ainda mais necessário, apontar para qual lado um movimento que almeje ser popular deseja ir. Fazer parte da história, fazer história e mudar a história impulsionando as mudanças e escolhendo um lado.

O Movimento Ocupe Estelita já obteve inúmeras vitórias, a mais recente, o tombamento do pátio ferroviário do José Estelita. Falta, agora, marchar em torno do único lado da luta que poderá dar inicio à construção de cidades mais humanas no Brasil. O movimento, assim como todos os outros de luta por mais direitos, precisa ser convocado a fazer parte dessa luta por mais democracia, pelo direito às cidades e contra o golpe. Vamos juntos!