segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Uma carta (ou retrospectiva tardia)

Talvez esse texto pudesse ser uma retrospectiva tardia do ano que passou, talvez pudesse ser uma carta dizendo as palavras que deveria ter dito a tempo  de diminuir os mal entendidos e atropelos que a vida nos impôs.

A vida, essa eterna jornada de aprendizados e erros não nos permite reinícios automáticos, nem possibilidades de fazer o certo quando aprendemos tardiamente. A vida, conosco, nunca nos presenteou com facilidades e ritmo de família normal e feliz. Todos nós, sem exceção, fomos vítimas e algozes dos nossos próprios destinos. Ela, de infância conturbada, de vida afetiva difícil e de muita solidão; eu, oriundo desse ambiente, carregado de expectativas de fazê-la feliz.

Quis a ironia do destino que eu descobrisse as angústias e passasse a entender melhor os problemas de relacionamento entre mim e minha mãe depois da paternidade. Só sendo pai, passei a entender os seus medos, o seu “excesso” de cuidado, a tentativa incessante de me ver “no caminho certo”. Essa “ironia do destino” não me permitiu amadurecer antes, ajudá-la naquilo que ela mais precisava: carinho, companheirismo, afeto.

Hoje, ao olhar minha filha dormir, compreendo os momentos em que ela me enchia de beijos enquanto eu dormia, dizendo ser o momento em que eu “mais parecia ser a criança que ela pôs no mundo”.

A morte da minha mãe, ocorrida há quase seis meses, ainda é de difícil compreensão e de marcas que seguirão pro resto da minha vida. Talvez se eu acreditasse em Deus ou vida após a morte, sentiria o conforto de um dia a reencontrar e poder dizer as coisas que devia ter dito, dado o abraço que ela precisava. Como não posso, escrevo.

Escrevo buscando a perfeição que ela tinha para o fazer, busco no seu exemplo o gosto pelas palavras, pela dignidade, pela resiliência.

E se não acredito em explicações sobrenaturais para as coisas, busco mantê-la viva nas minhas práticas, no jeito correto de viver a vida, sem trair minha consciência, sem soltar o sorriso desnecessariamente para agradar, sendo o pai pra minha filha que ela queria que eu tivesse e que também, além de mãe, tentou ser.


Hoje a saudade é imensa e as palavras são insuficientes, pobres, fracas. Hoje, nenhuma delas será capaz de me descrever. “Silêncio, minha mãe dorme”.