Talvez esse texto pudesse ser uma
retrospectiva tardia do ano que passou, talvez pudesse ser uma carta dizendo as
palavras que deveria ter dito a tempo de
diminuir os mal entendidos e atropelos que a vida nos impôs.
A vida, essa eterna jornada de
aprendizados e erros não nos permite reinícios automáticos, nem possibilidades
de fazer o certo quando aprendemos tardiamente. A vida, conosco, nunca nos
presenteou com facilidades e ritmo de família normal e feliz. Todos nós, sem
exceção, fomos vítimas e algozes dos nossos próprios destinos. Ela, de infância
conturbada, de vida afetiva difícil e de muita solidão; eu, oriundo desse
ambiente, carregado de expectativas de fazê-la feliz.
Quis a ironia do destino que eu
descobrisse as angústias e passasse a entender melhor os problemas de
relacionamento entre mim e minha mãe depois da paternidade. Só sendo pai,
passei a entender os seus medos, o seu “excesso” de cuidado, a tentativa
incessante de me ver “no caminho certo”. Essa “ironia do destino” não me
permitiu amadurecer antes, ajudá-la naquilo que ela mais precisava: carinho,
companheirismo, afeto.
Hoje, ao olhar minha filha
dormir, compreendo os momentos em que ela me enchia de beijos enquanto eu
dormia, dizendo ser o momento em que eu “mais parecia ser a criança que ela pôs
no mundo”.
A morte da minha mãe, ocorrida há
quase seis meses, ainda é de difícil compreensão e de marcas que seguirão pro
resto da minha vida. Talvez se eu acreditasse em Deus ou vida após a morte,
sentiria o conforto de um dia a reencontrar e poder dizer as coisas que devia
ter dito, dado o abraço que ela precisava. Como não posso, escrevo.
Escrevo buscando a perfeição que
ela tinha para o fazer, busco no seu exemplo o gosto pelas palavras, pela dignidade,
pela resiliência.
E se não acredito em explicações
sobrenaturais para as coisas, busco mantê-la viva nas minhas práticas, no jeito
correto de viver a vida, sem trair minha consciência, sem soltar o sorriso
desnecessariamente para agradar, sendo o pai pra minha filha que ela queria que
eu tivesse e que também, além de mãe, tentou ser.
Hoje a saudade é imensa e as
palavras são insuficientes, pobres, fracas. Hoje, nenhuma delas será capaz de
me descrever. “Silêncio, minha mãe dorme”.
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