segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O Leite

O leite estava ali, parado, estático, com sua cor branca a mudar a paisagem daquele chão. As baratas e todos os bichos que eu sempre tive asco invadiam o território pintado de branco pelo leite espalhado. Era, o leite não tinha capacidade de se mover mais; só serviria de distração e alimento para os meus desejos.

Primeiro avistou uma barata, ela não se sentia incomodada com a presença humana, só queria estar próxima ao leite que estava derramado, ali, no chão, mais uma vez. O leite começava a amarelar, e eu comecei a perceber que não se tratava mais do leite que outrora tomara no conforto de meu quarto; e sim, o retrato oblíquo de minha podridão.

Aquele cheiro invadira nosso ser e todos os sentimentos de pseudoforça que me dizia que eu deveria pegar a vassoura e limpar aquele leite que tivera derramado. Percebi a minha incapacidade de fazer o carretel de linha voltar após costuras na minha boca. Minha incapacidade de fazer a agulha buscar a linha...

Incapaz, nada mais do que incapaz. Peguei a vassoura e comecei a limpar aquela fétida cena da minha mente, a linha se perdeu e uma lágrima caiu. Foi aí que percebi a sujeira a limpar minha alma.

Um comentário:

Anônimo disse...

O melhor texto que eu já li, sinceramente melhor que muitos textos de Clarice Lispector, a complexidade psicológica e as figuras de linguagem presentes são perfeitas.