terça-feira, 13 de novembro de 2012

Funeral


Falta a marcha fúnebre, os olhos embargados, as flores e seus cheiros, além das vestimentas escuras. Mas não há nada que me convença de que ao ver uma mudança de “status de relacionamento” nas redes sociais não exista a subentendida placa “Aqui jaz um coração”.

No mundo das relações virtuais, ter um facebook é praticamente a mesma coisa do que ter RG. As pessoas nem se preocupam mais em saber onde as outras moram, ou pedir o telefone. O critério é o facebook. Afinal de contas, como vou saber com quem ele/ela anda, o que ele/ela faz, ou como se veste, ou pra onde sai¿

Nessas relações, ter facebook é exigência. Sem ele, não há como controlar, não há como levantar outra placa, cujas inscrições dizem o seguinte: “propriedade privada de fulano de tal”. Nas relações pós redes sociais, as declarações de amor são intensas, com foto-mensagens, frases feitas e copiadas. É o reino da Clarice Lispector, do Caio Fernando Abreu, e também daqueles que fingidamente se declaram felicíssimos ao viverem sozinhos.

É a sociedade do controle invadindo nossas máquinas, são as câmeras das ruas, são as senhas e portas com detectores de metal, é o facebook lhe obrigando a fazer o “check-in” a fim de que o companheiro acredite onde você está. Os relacionamentos foram invadidos pela necessidade da prova de inocência. Não há inocência presumida. No facebook somos sempre culpados em potencial. À espera de pagarmos pelo crime que não cometemos.

São prisões, pintadas de azul e branco, que não lhe permitem “curtir” ou “compartilhar” momentos de felicidade que precisam e querem ser lembrados. Relacionamentos de 140 caracteres, que não aceitam o que é clássico. É tudo dito brevemente. Sem olhos, sem olhares. São frases soltas, copiadas e sempre bem utilizadas como indiretas. São armas, apontadas pra você a cada hora que a luz do seu computador acende.

São velas, dum velório presumido do que chamamos relação. Proteja-se!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Condene-me


A culpa é da poesia
Não há prova do contrário
Essa poesia sem horário
Sem noite e sem dia

A culpa é da poesia
Essa poesia que dilacera
E que ao mesmo tempo acelera
Um pouco dessa agonia

A culpa é da poesia
Prendam-na, condenem.
Não deixem passar impunemente
A causa da letargia

A culpa é da poesia
É criatura peçonhenta
Invade tua moradia
E rápido te arrebenta

A culpa é da poesia
Insistente em nossas bocas
Que mesmo sendo tão rouca
Abocanha a calmaria

A culpa é da poesia
Que não aceita se calar
Roubando o pouco do ar
Que resta quando te via

A culpa é da poesia
Sabemos desde o começo
E pagamos pelo preço
De querê-la em demasia

Mas não matem a poesia
Guardem-na nos porões
Acorrentem os corações
Que cantam sua melodia