Um dos elementos da sociedade
brasileira que mais marcou e marca a divisão de classes e entre interesses
nacionais ou estrangeiros, com certeza, é a universidade. Basta percebermos
que, no Brasil, a universidade só foi criada a fim de atender aos interesses de
uma pequena minoria, sem para isso ter suas funções sociais bem definidas.
Essa pequena minoria, para a qual
a universidade não teria uma função social de investigação científica e
produção de conhecimento, o status de
cursar o ensino superior era obtido através das viagens dos filhos das elites a
Portugal ou a outros países europeus a fim de estudar medicina, direito etc.. O
destino era, por muitas vezes, a Universidade de Coimbra.
Foi com essa mentalidade que a
elite brasileira foi sendo formada e, diferentemente da elite da América
Espanhola que, logo no início do século XVI, implantou o sistema universitário
em México, Guatemala, Peru, Cuba, Chile e Argentina, o Brasil só passou a
contar com algo parecido a partir da migração da Família Real portuguesa para o
Brasil em 1808. Nesse contexto é que são criados o Curso Médico de Cirurgia na
Bahia e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica no Hospital Militar do Rio de
Janeiro. Obviamente, a criação desses cursos superiores não se preocupava com
função social nenhuma além da formação da elite que, assim, era poupada de
viajar a Coimbra para obter o título. Mas é só em 1915 que a universidade, como
um conjunto de faculdades, é criada no Brasil.
A criação tardia dessa
instituição no Brasil explica o fato de, historicamente, a universidade ter
sido tão excludente; afinal de contas, o ingresso nas poucas que existiam
estava tacitamente reservado às elites, portanto, o método de entrada sempre
passou por sua condição social e familiar, passando longe das necessidades
nacionais em desenvolver determinadas áreas, acentuando a separação capitalista
entre educação e trabalho. Sendo assim, aos 40% de negros que eram proibidos de
estudar, quando a proibição acabou legalmente, ela continuou na prática de o
quê e como negros e pobres poderiam estudar.
Foi dessa forma que, por quase um
século de existência, a universidade instituiu-se como um dos principais
privilégios da elite brasileira. Além de esnobar seu poderio econômico, essa
elite estava preparada para perpetuar-se no poder, e um dos mecanismos que mais
legitimou isso durante esse período foi o vestibular.
O vestibular, mais que uma prova
para “testar o conhecimento”, “aferir a capacidade” de um postulante a uma vaga
na universidade era, e em alguns casos ainda é, um grandíssimo esquema de
exclusão dos que não estudavam nas grandes escolas, uma prova que testava, na
verdade, quantas questões você conseguiria não errar; além, é claro de
alimentar os bolsos de tubarões de ensinos das grandes escolas particulares e cursinhos
preparatórios.
Com a decisão política tomada
pelos governos Lula e Dilma de expandir a universidade para a grande maioria da
população, além da mudança numérica – que é fundamental – passou a existir uma
mudança, também, na lógica de ingresso. Eles, além de terem dobrado o número de
estudantes matriculados no Ensino Superior, passando de 3,5 milhões para 7,1
milhões, criando 18 universidades federais, 173 campi e uma série de programas
como FIES e PROUNI, implementaram a cota e adotaram o ENEM como mecanismo de
entrada à universidade. Com o ENEM e o SISU, os estudantes podem concorrer a
vagas em 115 universidades públicas e 4.700 cursos, além de suas notas servirem
como acesso às bolsas do PROUNI.
A reação, portanto, não poderia
ter sido diferente. À elite, que antes em Coimbra e depois nas federais, coube
o papel lamentável de tentar barrar todas as iniciativas de democratização da
universidade. Porém, o mais lamentável é terem colocado seus esforços contra
uma proposta pedagógica muito mais avançada e justa do que a dos antigos
vestibulares. É óbvio a qualquer um que procure ler as provas de até o ano de
2004 e as do ENEM a diferença de proposta, afinal de contas as comissões de
vestibulares e concursos não devem ou não deveriam ser instituições programadas
para tolher a vontade de se ingressar na universidade. Enquanto isso, uma
indústria por trás de cursinhos, professores e editoras lucravam com a antiga
prova de “isso você não vai saber fazer”.
É dessa forma que esses, que
viram seus privilégios diminuírem, entendem que deveria funcionar o ensino
superior no país. Felizmente, acordamos a tempo, fazendo com que em 12 anos a
taxa de jovens entre 18 e 24 anos passou para 28%. Não deve ser fácil aos que
passaram 500 anos tentando instituir privilégios conviver com isso.
Universidade do povo e para o povo começa com mecanismo de entrada real, justo.
O fim do vestibular foi e é um objetivo histórico de entidades estudantis
compromissadas com a democratização do Ensino Superior. O ENEM é um caminho.