quarta-feira, 22 de abril de 2015

A narrativa de hoje e os interesses de classe



A experiência humana de construção da sociedade revela, historicamente, uma capacidade – social – de organizar suas ideias de maneira que possa ser compartilhada entre os demais membros de determinada comunidade. Muito antes da aquisição da linguagem, através das pinturas rupestres, o homem demonstrava sua necessidade de dividir as experiências em forma de narrativas.

Com o contínuo desenvolvimento da sociedade e das capacidades humanas, principalmente da linguagem, essas narrativas passaram a ser parte constituinte da fundação de comunidades diversas espalhadas pelo mundo. Antes da escrita, através da tradição oral, e até os dias atuais.

O que se observa, portanto, é que imbricada à condição humana sempre esteve a capacidade de “contar histórias” sobre determinados pontos de vista. Essas “histórias contadas” estiveram presentes na fundação de estados-nações, na antiguidade, através dos mitos – como os mitos fundadores da Grécia, Roma etc. – como também na forma de narrar a história da humanidade.

Essa história, contada de maneira literária, oral ou científica, dificilmente, em todos esses períodos da história, pôde ser contada do ponto de vista daquele que foi oprimido. E se “a história da humanidade é a história da luta de classes”, como nos afirmou Marx, resta-nos a certeza de que essa história tem sido contada sob o ponto de vista daqueles que tem ganhado a luta. Ou ainda resta-nos saber que “a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante”.

No entanto, também esse ponto de vista é desconhecido da grande maioria da população, já que, para a classe dominante, deixar a maioria da população oprimida tomar conhecimento de que há uma luta permanente para mantê-la sob jugo de uma minoria, seria assinar sentença de morte.

Nesse sentido, à arte, sempre coube papel fundamental no sentido de contar a história sob a perspectiva dos dominados ou dos dominantes. Para György Lukács,  filósofo marxista húngaro, na literatura, cabia distinguir sempre o papel do escritor no sentido daquele que narra e daquele que descreve. Para ele, o papel de descrever correspondia àqueles cuja literatura não cumpria papel de relacionar a arte com a experiência humana, transformando “o homem em natureza-morta”. Segundo o filósofo, “o escritor precisa ter uma concepção do mundo sólida e profunda; precisa ver o mundo em seu caráter contraditório para ser capaz de selecionar como protagonista um ser humano em cujo destino se cruzem os contrários.”

Para Chartier, “as representações do mundo social, como práticas intelectuais, dentre elas, as ficcionais, como as literárias, são sempre marcadas por múltiplos, complexos e diferenciados interesses sociais, sobretudo, aqueles dos grupos sociais que as forjam. Daí, ser necessário relacionar os discursos proferidos com a posição social de quem os produz e de quem os utiliza, visto que as percepções do social não são neutras; produzem e revelam estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade, uma hierarquia, um projeto, uma escolha.”

Ainda no tocante à superestrutura política e ideológica, os aparelhos ideológicos do estado, dentre os quais a mídia, da qual afirmara Malcolm X ser capaz de transformar os opressores em oprimidos e os oprimidos em opressores, reforçam seu caráter cada vez mais hegemônico no sentido de possuidor das verdades narradas.

Sendo assim, reforça o protagonismo das classes dominantes no que se refere aos avanços conquistados pelos trabalhadores no mundo e camufla qualquer tentativa de se contar a história sob outras perspectivas. Foi assim que o século XX se transformou, mesmo com todos os avanços trazidos à sociedade pela extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, num período em que se acreditava – e se acredita até hoje – que comunistas “comiam criancinhas”, ou que num regime socialista não há democracia. Chegaram  ao absurdo de declararem o fim da história.

A essa mídia, hoje, sobrou o papel de colocar-se na contramão da história, tentando, a todo custo manter os privilégios da burguesia e subjugando povos e nações ao redor do mundo. Cumprem, assim como no Brasil, o papel conservador em todos os países da América Latina que disseram não ao imperialismo estadunidense de narrar positivamente medidas como o PL 4330, a redução da maioridade penal e as privatizações do período neoliberal.

No entanto, como temos a certeza de que nós – os trabalhadores – somos os artífices da história, cabe a nós o papel progressista de disputar a narrativa que há na sociedade atualmente. Num mundo cuja crise econômica ultrapassa o sétimo ano, desempregando milhões de trabalhadores pelo mundo, onde existe um outro polo de desenvolvimento econômico e social, é preciso contar outra história; é preciso fazer outra história.

No Brasil, essa história vem sendo feita, mas é preciso contá-la, espalhá-la. Desnudar as mentiras ditas diariamente nos telejornais da classe dominante e constituir uma frente que possa contar a história daqueles que lutaram e lutam até hoje pelo fim da dominação do nosso povo.  Caso não fosse dessa maneira, não seríamos um país independente, livre da escravidão, republicano e industrializado.

Pela memória daqueles que a “história” quis nos fazer esquecer, pela memória de Zumbis e de tantos outros cujo fio vermelho de sangue derramado nos fez chegar até aqui, é preciso desconstruir a narrativa que diz nosso país ser um país ingovernável, é preciso destruir a narrativa contada por artistas cuja profissão se fez mercadoria barata, é preciso acabar com a história falaciosa de que não vamos vencer. É preciso, sobretudo, através de uma frente ampla, que inclua artistas, intelectuais, trabalhadores e trabalhadoras, retirar da nossa estrada aqueles que jogam pelo atraso e submissão do nosso país a interesses exógenos.


 De outra maneira, os esforços de gerações, nas quais se incluem estas que construíram um Brasil com menos miséria, mais emprego, dignidade e respeito internacional irão pelo ralo da história de uma classe dominante cujo objetivo é nos relegar ao esquecimento. Pelo não esquecimento daqueles que combateram nos períodos mais nefastos de nossa história e que agora alguns querem fazer voltar, para que jamais se esqueça, para que nunca aconteça, vamos contar nossa história.

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