quarta-feira, 20 de julho de 2016

Um golpe, várias causas, uma maneira de resistir: lutar!


Passados poucos mais de 60 dias de governo usurpador e ilegítimo, crescem, além da insatisfação popular, formas de analisar e procurar causas, conexões e alternativas para superar aquilo que pode ser o período dos mais profundos retrocessos da história republicana no Brasil.

É muito comum, por exemplo, motivados pela angústia que o momento nos traz, buscarmos uma única causa, aquilo que seria o motivo fatal para as forças reacionárias brasileiras terem aplicado um golpe ao Estado Democrático de Direito e, em tão pouco tempo, estarem aplicando um programa de grande perda de direitos sociais. Essa postura no entanto, é anti-dialética, visto que é preciso enxergar a conexão universal dos fatos e também perceber a luta de classes como motor da história, a eterna luta e unidade de contrários, a eterna luta entre o novo que quer se afirmar e o velho que resiste.

Eleição de um governo dirigido por forças de esquerda: uma afronta às forças conservadoras

Quando se fala do quão significativo foi para a história brasileira a eleição de Lula em 2002 e o ciclo que foi aberto a partir daquele instante, mesmo que pareça clichê, é preciso reiterar a maneira como as peças do tabuleiro nacional e geopolítico em instância internacional foram alterados.

O Brasil, embora em mais de 500 anos tenham tentado nos fazer acreditar, não é um país qualquer, é um país com um território imenso, carregado de recursos naturais; uma população (mercado consumidor) equivalente às das maiores economias do mundo (excetuando-se a China) e uma economia com as mais amplas possibilidades. Tudo isso a serviço dos interesses econômicos das grandes metrópoles mundiais: ora Portugal, ora Inglaterra, ora Estados Unidos da América.

O fato é que os interesses internacionais para essa grande potencialidade eram sempre no sentido de mantê-lo como colônia, como exportador de matérias primas, como quintal, ou como diria Caio Prado Jr.: "Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos construímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isso. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras".

Nesse sentido, da mesma forma como foram combatidos de maneira espúria governos que, de alguma forma, tentaram alterar essa lógica, tais como os de Getúlio e Jango, cujo vetor passava por desenvolvimento nacional, com fortalecimento da indústria, garantia de alguns direitos sociais e maior diálogo com as forças sociais mais populares, os governos dos últimos 13 anos, frutos de uma ampla coalizão de forças, que abrigava a esquerda, o centro e setores da burguesia industrial e rentista, também foram combatidos, principalmente pelo caminho nacional que tentavam trilhar.

Além disso, foram nos últimos anos que foram dadas consequências reais àquilo que fora planejado há praticamente um século, àquilo que a revolução burguesa no Brasil, pós 30, precisava ter instaurado: um estado moderno, preparado para garantir o desenvolvimento e a competição num mercado cada vez mais globalizado. Foram nesses últimos 13 anos que conquistas sociais pensadas nesses tempos foram garantidas e aprofundadas. Se é verdade que Getúlio criou o salário mínimo, é verdade também que foi nos últimos 13 anos que seu aumento anual indexado foi garantido; se é verdade que Getúlio criou a Petrobras, foi nos últimos 13 anos que ela aumentou sua competitividade e descobriu o pré-sal; se é verdade que a Constituição de 88 prevê o direito à moradia e à educação, foi nos últimos 13 anos que programas como o Minha Casa, Minha Vida e o PROUNI foram criados.

A Crise do capitalismo e seus efeitos sobre as economias nacionais

Obviamento, num cenário de crise profunda do sistema capitalista, hodiernamente movido, sem exceção, pela lógica neoliberal, imperialista, conquistas como as que o Brasil obteve nos últimos anos "não cabem no PIB" da lógica dos entreguistas e neoliberais, ou como afirmara FHC: "é preciso acabar com a Era Vargas".

O fato é que o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo mundial, rentista, cuja dimensão fictícia das riquezas dão as coordenadas sobre o que devem fazer os governos nacionais, as indústrias e os setores produtivos para salvar a riqueza dos grandes bancos do sistema financeiro, quanto menos barreiras existirem para a expansão dos seus "investimentos" (derivativos, dinheiro fictício, especulação na maioria das vezes), melhor.

Nesse sentido, num momento de crise das finanças no mundo, o que reflete no nível de hegemonia dos Estados Unidos da América, um governo como o dos últimos 13 anos é um obstáculo, pois, não por coincidência, foi, nesse período que a unipolaridade da governança mundial foi posta em cheque, tendo como um dos grandes responsáveis o Brasil, vide iniciativas como o BRICS e seu banco, o G20, UNASUL, CELAC e reestruturação do Mercosul.

De maneira devastadora, portanto, a troika tenta impor suas vontades, acabando com as economias nacionais e com o papel da política no seu sentido mais amplo, delegando a tecnocratas do mercado financeiro as decisões que precisam ser tomadas, não para salvar as economias nacionais, mas para salvar seus próprios interesses. Assim destruíram a economia da Grécia, Portugal e tantos outros; assim colocaram no comando de um país como a Itália um de seus párias.

No plano político, adotam uma espécie de nova "Doutrina Reagan", fechando o cerco contra todos aqueles que pensam diferente. Fecham o cerco à China no Mar da China e Oriente Médio, promovendo conflitos, ampliam as fronteiras da OTAN no sentido de enfrentamento a Rússia, patrocinando golpes como o da Ucrânia e estimulam conflitos de "baixa intensidade" na América Latina.

2013 e o ensaio do golpe

Para o Brasil, essa estratégia não é nova. Em 2013, motivados por grandes reivindicações populares pedindo mais direitos, melhores serviços públicos e uma melhor presença do estado na vida das pessoas, principalmente no que concerne ao direito à cidade, uma grande estratégia, já a partir dali, foi montada para direcionar as insatisfações populares contra a presidenta Dilma. Já ali afirmávamos em editorial da Princípios redigido por Adalberto Monteiro:

                                     "Agora, em junho de 2013, diante de uma explosão social, sem comando, a grande mídia, a serviço do campo político reacionário, não titubeou, percebeu uma grande oportunidade e procurou, ela própria, assumir a a direção das jornadas. Agiu, de modo escancarado, como um partido político, conclamou e arregimentou as massas para aderirem aos protestos, e tentou tutelar e manipular as manifestações, direcionando-as contra o governo e contra a liderança da presidenta Dilma Rousseff".

Estavam, ali, dadas as condições para a unidade do consórcio oposicionista que, mais tarde viria a derrubar Dilma Rousseff: mídia, oposição conservadora, setores rentistas, FIESP e classe média alta.

Nem tudo foram flores

Obviamente, um golpe das dimensões do que foi dado no Brasil, preparado há, pelo menos 3 anos, não é dado se as defesas não estiverem vulneráveis aos ataques inimigos. Nesse sentido, foram muitos os erros de condução, também, nesses últimos 13 anos, sobretudo da força dirigente hegemônica dentro desse processo.

Alguns dos erros mais importantes, com certeza, se referem a um certo despreparo (ou desprezo) ao enfrentar a real natureza do Estado brasileiro. Um estado cuja burguesia evitou, a todo custo envolver as massas nos movimentos políticos; um estado em que, mesmo após a Revolução de 30, manteve-se sua estrutura arcaica, assentada no latifúndio; um estado que, para se desenvolver, atrelou-se de maneira inquestionável ao imperialismo; um estado cujo à composição social, segundo Augusto Buonicore, "devem ser agregados os altos níveis salariais dos escalões superiores do poder executivo (burocracia civil e militar), legislativo e judiciário." Com uma estrutura burocrática que "leva à constituição de uma ideologia conservadora e meritocrática - apegada ao fetiche da divisão entre trabalho intelectual e manual, entre funções de mando e subordinadas e uma rejeição a qualquer controle externo, exercido pelas classes populares".

Nesse sentido, é notável a falta de pensamento estratégico para enfrentar essa natureza do estado brasileiro. Nesses 13 anos pouco se avançou para concretizar uma agenda de estado que, mesmo nos marcos do capitalismo, pudesse dar sequência às reformas que a burguesia, tanto em 30, quanto posteriormente, não quis ou não teve competência para aplicar: as reformas política, dos meios de comunicação, agrária, educacional, tributária etc.

Soma-se a isso o hegemonismo e exclusivismo da força dirigente, acrescida de um republicanismo inocente, que não soube ampliar onde era necessário, na superfície do poder republicano, estreitando ao máximo a distribuição de cargos no governo, e oferecendo as guardas àqueles que por 500 anos estiveram na estrutura do estado (judiciário, órgãos de controle, polícia federal).

Amplitude e questão nacional como vetores da tática 

Esses fatores, somados a tantos outros que não cabem neste artigo, não anulam a capacidade das forças progressistas brasileiras reagirem e voltarem a liderar um grande movimento de massas em torno da democracia e da resistência em torno das conquistas sociais que são ameaçadas pelo governo interino-golpista.

No entanto, para estabelecer a reação, é preciso 1º) reafirmar o caminho nacional como forma necessária para atingir o desenvolvimento, o equilíbrio das forças sociais e a manutenção do rumo socialista no Brasil, visto que na Era do Imperialismo, a grande maneira de resistir e lutar por um novo sistema econômico e social é ter uma nação forte, pujante, que possa garantir emprego, qualificação profissional, tecnologia de ponta e inovação, competitividade internacional e diversidade na sua matriz econômica, geridos por um estado moderno, forte, democrático e capaz de garantir igualdade de oportunidades, é preciso reafirmar a necessidade de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento; e 2º) criar um grande bloco de afinidades que, no momento atual, ultrapasse, inclusive a esquerda, mas que atinja setores amplos da nossa sociedade, incluindo empresários, artistas, setores produtivos etc., que identifiquem no caminho nacional e democrático a forma de sairmos da encruzilhada em que nos encontramos.

Para garantir esse bloco, urge construir pontes de afinidades com os mais variados atores da política nacional, sem contudo se isolar daqueles dos quais menos podemos nos isolar: o povo. O povo não pode virar um obstáculo, muito pelo contrário. No povo estão algumas das soluções econômicas e sociais para um país de 200 milhões de habitantes. Nesse sentido, nossa tática tem que ser clara, sem tergiversações que gerem incompreensões populares: isolar e dividir o lado de lá, mas juntar ao máximo o lado de cá, eis o caminho.

Por isso, a esse trabalho devem-se juntar todos aqueles que, sem restrições, acreditam nesse futuro democrático para o Brasil avançar. Sem o otimismo bestializado que acredita que em 2018 tudo pode voltar ao normal, nem com o pessimismo derrotista que não reconhece a jovialidade do nosso país, mas reconhecendo o futuro alvissareiro que temos pela frente. Mobilizar o povo ainda se faz necessário e bandeiras há para isso. O golpe é reversível, e para isso temos o instrumento correto: o voto, mobilizado e solicitado em torno de um plebiscito para que a soberania desse instrumento popular volte a ser respeitada. A vontade do povo, pela qual derramou-se tanto sangue precisa ser restabelecida. A guerra não acabou. Vamos à luta!

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