sábado, 22 de outubro de 2016

Três décadas de social-democracia: e agora?


A redemocratização do Brasil se deu em meio a um período conturbado da história mundial, em seu conjunto. Se aqui passávamos por um estado de exceção, o mundo via sua forma multipolar chegar ao fim, com o fim da Guerra Fria e da União Soviética.

A existência, por si só, da URSS, como já é conhecido, além de ter motivado os golpes militares pelo mundo, sobretudo na América Latina, como forma de manter o domínio estadunidense sobre essa parte do mundo, também serviu como grande inspiração para a luta dos que resistiram ao período da Ditadura Militar no Brasil. Essa luta, até ter chegado no momento de ter-se tornado a luta de uma grande frente ampla pela democracia, teve o sacrifício e protagonismo de forças de esquerda - comunistas e socialistas - que buscavam, entre tantas formas de luta, também, a luta armada - seja no campo, seja na cidade.

A história, até chegar o fim da Ditadura Militar, teve muitas idas e vindas, avanços e recuos das forças democráticas, mas sobretudo, um verdadeiro avanço das lutas populares, que, pouco a pouco foi tirando força e poder dos militares. Estes, como sinalização do fim de seu período, deixaram, fisicamente, ideologicamente e institucionalmente, suas últimas marcas contra as lutas populares: primeiro a chacina da lapa, nos fins da década de 70, depois, no período de anistia e legalização dos partidos, a criação dos partidos social-democratas, entre eles o PT, PSDB E PDT, mas a permanente perseguição aos comunistas e a manutenção até o limite da clandestinidade da sigla comunista.

Em artigo publicado em 1981 na revista Princípios, João Amazonas já alertava sobre a natureza da social-democracia no mundo e sobretudo a que nascia no Brasil. Dizia o dirigente comunista:

"Em várias oportunidades, a social-democracia, por temor à revolução, abriu caminho para o fascismo ou para a direita mais conservadora. Hitler chegou a dominar o Reich graças à covardia da social-democracia alemã, que preferiu o tirano da cruz gamada à frente-única com os comunistas contra o hitlerismo."

Essa social-democracia, que, na Europa, há muito já desembarcara dos ideais de esquerda, embarcava no Brasil, tardiamente - muito pela falta de condições de terem se criado no Brasil, mesmo no período Vargas, quanto no período da Ditadura Militar - com força. Induzida pela classe dominante, como forma de dividir a classe trabalhadora e criar uma ilusão de conciliação de classes, cuja semente já havia sido plantada desde a cisão do partido comunista em 1962. Foi, então, na década de 80, com a criação do PSDB, PDT e PT, que a ideologia social-democrata assume força no Brasil.

Colocar, nas condições do Brasil atual, PSDB, PT e PDT no mesmo "balaio", embora pareça "constrangedor", visto o papel de nova UDN que o PSDB passou a cumprir nos anos subsequentes, não anula as semelhanças sob as quais os partidos foram fundados. 

"Entendam que os trabalhadores não tem só que sobreviver, mas tem que comer bem para continuar produzindo e poderem dar até mais lucros para as empresas", dizia Lula. "A social-democracia não quer acirrar as lutas de classes (...) afirma que a exploração e as desigualdades são superáveis - que uma distribuição mais equilibrada da riqueza é possível e necessária, sem que para isso a luta de classes precise virar uma guerra sangrenta", afirmava FHC.

O papel de UDN, de traidores da pátria e de entreguistas levou o PSDB e FHC à presidência do país, após mais uma enorme crise política - e por que não social - no país, pós impeachment de Collor. Como receita para acabar com a hiperinflação, aceitou-se desnacionalizar quase que por completo a economia do país, vendendo suas principais riquezas e empresas e adotando o mantra do superávit primário como forma de controlar a inflação - com juros altos e câmbio flutuante. Essa receita levou o país a mais uma grave crise econômica e social: altas taxas de desemprego, subserviência ao imperialismo estadunidense, salários baixos e pouca ou nenhuma perspectiva para os brasileiros.

Nesse sentido, a eleição de Lula em 2002 significa, sim uma ruptura, visto que vários dos elementos supracitados foram combatidos, entre eles: a subserviência ao imperialismo, as desigualdades sociais e regionais, além da prática do estado mínimo, conferindo ao estado verdadeiro papel de indutor da economia nacional. Por isso, não podemos passar, a partir desse momento histórico, uma régua e igualar as concepções dos dois períodos de governo - mesmo que sob ideologias social-democratas, sendo que uma sequestrada pela direita e pelo imperialismo, outra levada ao poder pelas forças populares e democráticas do país.

No entanto, como todo bom social-democrata, a conciliação de classes e o pouco sentido estratégico conduziram o PT a praticar uma política econômica híbrida -  se por um lado, ocupava-se em colocar o estado como indutor do desenvolvimento e da distribuição de renda, não mexeu na cota dos rentistas -, transferindo entre 40 e 48%  do orçamento para pagamento de juros da dívida e perpetuando o sagrado tripé macroeconômico de juros elevados, superávit primário e câmbio flutuante. 

Mesmo no período de maior popularidade desse projeto, esquivaram-se de realizar as reformas necessárias, mesmo no marco do capitalismo, entre elas, a reforma política, dos meios de comunicação e tributária.

Esse breve resumo, longe de querer apontar os dedos aos defeitos da força política que conduziu o maior processo de transformação social do Brasil ao longo de sua história, serve, pelo menos aos comunistas, para não criarmos ilusões acerca dos verdadeiros fenômenos e atores que estão à frente do processo de ocupação dos espaços políticos.

A missão revolucionária é árdua e exige de nós verdadeiro cuidado com a nossa própria organização, combatendo os dogmatismos, liberalismos e esquerdismos, a fim de unir as mais amplas camadas do povo em torno de uma transformação verdadeiramente profunda. As transformações da superfície, da aparência dos fenômenos sociais - mais do que tudo o que Marx afirmara ser sólido, "desmancha no ar". 

É assim, nesse país que por décadas rejeita uma revolução e aceita a social-democracia, velha, ultrapassada e recuada, que teremos o papel de conduzir uma revolução, por isso, sem ilusões, mãos à obra!




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