quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A MPB permanecerá em silêncio?


O ano de 2016 será, para o brasileiro, agora mais do que nunca, marcado por tragédias. Golpe de Estado, mortes indesejadas, acidente aéreo mais que chocante, escândalos e mais escândalos. 

E nossa arte diante disso?

Algumas coisas que chamam a atenção nessas tragédias que vêm sendo executadas pelas forças conservadoras do país - essas mesmas forças que já executaram projetos semelhantes, de aniquilar a democracia liberal com a qual não conseguem conviver - é, dentre tantas outras coisas, o papel que a MPB cumpriu em outros momentos semelhantes da história do país; poderia cumprir agora e não está cumprindo.

Segundo Wisnik, o papel da música "é decisivo na vida das sociedades primitivas, no cotidiano popular, e o Estado e as religiões não a dispensam. A prática da música pelos grupos mais diversos envolve múltiplos e complexos índices de identidade e de conflito, o que pode fazê-la amada, repelida, endeusada ou proibida".

Para Portis, "a música popular reflete e mesmo orienta a vida emocional de milhões de pessoas. As implicações políticas desta influência são evidentes. A música popular pode seguramente desempenhar um papel em uma estratégia de controle social por sua influência midiática, que se coloca entre a ideologia oficial e a consciência popular".

Sobre a MPB, o linguista Nelson Barros da Costa, aponta cinco formas de "marcações identitárias". São elas: movimentos estético-ideológicos; agrupamentos de caráter regional; agrupamentos em torno de temáticas; agrupamentos em torno do gênero musical e agrupamentos em torno de valores relativos à tradição. Sendo que, segundo o autor, "cada uma delas não implica apenas conteúdos verbo-melódicos definidos, mas uma prática discursiva que supões modos de cantar, compor, comportar-se, tocar, difundir etc. coerentes com esses conteúdos".

Diante disso, se entendemos que o momento que vivemos, guardadas as devidas proporções, é motivado pelas mesmas causas daquilo que nos levou a viver 21 anos sob uma sangrenta ditadura militar, é necessário fazer um balanço do papel que a MPB cumpriu nesse período e apontar as saídas para uma participação altiva do mundo da música diante da encruzilhada histórica em que nos encontramos.

Os exemplos da maneira como vários músicos nacionais se envolveram com as causas democráticas no período da Ditadura são incontáveis. Incontáveis porque para além dos consagrados como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Milton Nascimento, entre outros, era a música que embalava a resistência dos jovens e afagavam as emoções vividas por aqueles que enfrentavam duramente o momento de ataque às liberdades como um todo.

Por isso, se é verdade  - dizem alguns - que não vivemos nem de longe momentos como aqueles, é verdade também que a melhoria material da vida dos brasileiros após as conquistas dos últimos tempos poderiam ou deveriam, também, serem refletidas na prática musical da chamada MPB. Muito embora a força hegemônica não tenha contribuído para elevar o nível de consciência das massas - incluindo-se aí o papel da música - é verdade também que a classe artística, ou parte dela, viveu esse momento alheia às mudanças por que passava o país. Raros são os exemplos de artistas cuja trajetória criativa acompanhou as diferenças substanciais, qualitativas e quantitativas pelas quais o Brasil passava. A banda de rap, Racionais MC's, talvez seja uma das poucas que, em sua discografia conseguiu refletir a mudança realizada pelo país nos últimos tempos. Nas suas músicas e na postura de seus integrantes, a destacar a postura militante e coerente de seu líder Mano Brown.

Obviamente, existem outros exemplos positivos artisticamente falando, como os casos do Criolo, e alguns artistas da chamada nova MPB, mas, infelizmente, isso está longe de se tornar um movimento organizado do mundo artístico em torno da democracia e de um Brasil soberano. Nesse sentido, também é importante frisar o papel que alguns artistas têm cumprido desde a deflagração do golpe de estado, entre eles,  Tico Santa Cruz; Beth Carvalho; Nação Zumbi; Otto; Fred 04 etc.

A nós, os progressistas, cabe, portanto, identificar como uma frente ampla no Brasil seria configurada. Se não forem buscados em amplos setores da sociedade, adesões a um projeto de país diferente daquele que querem os golpistas, teremos a arte, a cultura, o esporte e os demais setores da sociedade alheios ao que acontece no país. 

Em um mundo em que as classes dominantes apelam cada vez mais às emoções das classes dominadas, criando falsos heróis e falsos inimigos a ser combatidos, precisamos, como dissera Leminski, transformar de cada noite, pedras e poemas em armas para a luta de classes. E a música, com certeza, não pode ficar sequestrada pela classe dominante, que mais cedo ou mais tarde, irá cercear sua atividade e controlar sua circulação, como em todos os regimes autoritários que a burguesia levou ao poder, pois, "quanto mais a música toca forte, mais a gente fala alto".

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