Quando eu era adolescente tinha uma banda. Achava que toda a minha rebeldia poderia ser canalizada nas atitudes rock'n'roll e nas letras revoltadas que por ora compunha. Naquele momento, Lula já era o presidente do Brasil, mas lembro-me bem que o conjunto de minhas músicas dedicava-se a criticar o sistema de uma maneira ampla e difusa. Foi, no entanto, alguns anos depois, através do movimento estudantil e, posteriormente, através da vida partidária, que pude canalizar a minha insatisfação e encontrar uma forma de luta organizada. Nesse sentido, lamento profundamente que mais jovens como eu não tenham encontrado ainda essa importante trincheira de luta social.
No movimento estudantil e partidário é que pude identificar o valor da ação política, ou simplesmente da tão alvejada e criticada "política". Foi a partir daí que pude perceber o quanto ela influencia a vida de todos nós: o preço do pão; do gás; da passagem; da gasolina; a novela que passa na TV; o filme que cotidianamente importamos do cinema americano; a roupa que vestimos e as nossas crenças. Quase uma epifania às avessas da célebre frase de Platão: "não há nada de errado com os que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam". De lá pra cá, nos meus convívios sociais, sempre escuto ser a pessoa que gosta de política, como se esse ato dependesse da minha vontade, e não fosse uma condição inerente àqueles que verdadeiramente querem justiça social.
No período atual, uma crise se abate no mundo. Não são simples suas causas, muito menos seus efeitos. Essa crise econômica do capitalismo, assim como tantas outras crises cíclicas do sistema capitalista, destrói economias nacionais de Estados que, de alguma forma, em algum dia, conduziram o desenvolvimento de sua nação; desemprega milhões e milhões de trabalhadores pelo mundo todo; provoca guerras e mortes e acaba com as soluções políticas que existem desde a antiguidade clássica. Por ironia do destino, quis a banca internacional, em países como a Grécia e a Itália, por exemplo, colocarem representantes diretos seus para gerir os problemas da crise que eles mesmos geraram.
O Brasil, também vítima dessa crise, sofreu as consequências mais profundas que uma crise econômica pode gerar e, diante disso, sofremos um golpe parlamentar e, mais do que isso, nos encaminhamos para um período ainda mais difícil de nossa recente história - com perdas de direitos sociais e trabalhistas; desemprego; congelamento de investimentos e o mais grave: seguimos o caminho do abismo da negação da política, da execração pública do ato que, querendo ou não, alguém irá fazer.
Se por um lado, no Brasil, faltou uma educação das massas, que pudesse identificar, na política e não necessariamente e unicamente no seu esforço próprio as causas da melhoria de vida recente por que passaram; é verdade também que há uma verdadeira ofensiva reacionária e conservadora das forças materialmente dominantes, que impunham um pensamento único como solução para a vida de trabalhadores que, sim, estão em dificuldades reais.
As eleições municipais de 2016 no Brasil foram um grande exemplo dessa ofensiva reacionária. Não foram poucos os momentos em que me peguei sendo totalmente desprezado por jovens "descolados" na rua que se negavam a pegar um panfleto com propostas que influenciam diretamente na sua vida; da possibilidade de eleger um vereador cujo poder econômico não seja o decisivo para sua eleição. Foi assustador o crescimento de candidatos ultra-reacionários, com forte adesão popular. Mas o mais decepcionante; a negação, pelos próprios políticos, da política; e isso, tanto os candidatos de direita quanto os de esquerda. Se por um lado tínhamos um João Dória em São Paulo dizendo que não era político, mas gestor; por outro, tínhamos um Marcelo Freixo, do alto de sua arrogância e prepotência, afirmando que era diferente de todos os que conhecemos.
Esta semana, mais um triste episódio aconteceu. Dois ex-governadores do Rio de Janeiro, que, longe de mim tentar inocentá-los, foram presos de maneira desumana e completamente e desacordo com os direitos humanos e com o que conhecemos por Estado Democrático de Direito. Mas o mais triste não é a prisão em si, já que como muitos afirmam vários inocentes pobres são presos todos os dias injustamente, e sim a comemoração que as pessoas fizeram diante do fato - inclusive as ditas de esquerda -, legitimando o estado policialesco que se instaurou no Brasil e a perseguição à atividade política que se implementa atualmente no país. Isso, claro, passando ao longe para as pessoas comuns - e também as de esquerda - que os verdadeiros agentes corruptores do sistema capitalista, que é corrupto por natureza, já que se baseia na acumulação privada de riqueza e usa o estado para tal, estão confortavelmente recebendo seus lucros e dividendos dos juros que, no Brasil, são abusivos; isso sem investir um centavo na produção e na geração de empregos.
Obviamente o povo não é culpado. É a maior vítima de um sistema que, mais do que sequestrar sua força de trabalho, sequestra sua ideologia e, sobretudo, suas emoções. Como afirmou Domenico Losurdo em sua recente obra A Esquerda Ausente, citando Gustave Le Bon, do final do século XIX: "para influenciá-las (as massas) ou controlá-las devia-se apelar para os seus 'sentimentos', para aquilo que 'persuade', e assim provocar entusiasmo por 'ações heroicas evidentemente um pouco inconscientes' ou para 'quimeras, filhas do inconsciente'. Não por acaso, nosso povo tem nutrido o medo à 'quimera' da política e o entusiasmo por heróis togados cujos objetivos escusos de acabar com a nossa economia estão longe de seu conhecimento.
É por isso que não podemos nos afastar do exercício da política - em casa ou no trabalho, no bar ou no estudo - : para que não deixemos que nossas emoções sejam sequestradas pelas classes dominantes, façamos da vida pública - nos movimentos sociais ou institucionais - uma trincheira real pela verdadeira justiça social, para a qual, sem sombra de dúvidas, a política é e sempre será necessária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário