Ontem, pela manhã, fomos todos surpreendidos com a notícia da morte de Belchior, artista cearense que cantou a liberdade, mas, sobretudo, cantou as coisas reais.
Diante de mortes como a dele, é muito comum que as redes sociais se encham de mensagens, lembranças e honrarias a artistas cuja obra encantaram e encantam pessoas num país inteiro. É também muito comum a gente se perguntar se existem tantas pessoas assim gostando de determinados artistas. Paira uma dúvida. Não sobre Belchior.
Belchior era querido por todos, principalmente por aqueles que encontravam, na democracia e na liberdade objetivos para viver sem perder a ternura. E Belchior era pura ternura, mesmo que seu canto torto feito, feito faca, cortasse a carne da gente.
E cortava.
Cortava porque Belchior, como afirma uma de suas canções, tinha alucinações por coisas reais, mesmo quando alguns diziam que tudo era divino, tudo era tão maravilhoso. Não. Não era divino e maravilhoso na época em que Belchior compôs seus principais álbuns, como "Alucinação" e "Coração Selvagem". Eram tempos difíceis, como os de agora, em que continuamos precisando da arte que fale sobre as coisas reais, que interaja e se entregue aos homens e mulheres de seu tempo.
Belchior, talvez não conscientemente, levou a sério a estética neo-realista, cujo propósito da arte estava bem definido, sem ser chato, hermético, dogmático. Na vida - e na arte - levou a sério o objetivo de integração latino-americana, tal qual um jovem argentino cuja arte era diferente, Belchior andou por toda essa América, procurando nossas semelhanças e se encantando com os tangos argentinos ou os romances chilenos.
Por isso, em tempos de golpe, nossa resistência é uma forma de homenageá-lo. Lutar contra a recolonização da América Latina pela qual Belchior tanto fez.
Diante das insuficiências de minhas palavras, só o próprio Belchior para definir o momento de sua partida, do momento em que "eles venceram e o sinal está fechado para nós".
Belchior, tenha certeza de que sua vida na terra não foi em vão. Haveremos de vencer!
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