sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Graças ao meu desprezo

Irmãs siamesas, filhas da insanidade
mães do desespero.

Vocês, a quem por horas me curvei
hoje, não me farão sucumbir.

Vocês, a quem por horas prestei as homenagens de meu dia
não se alimentarão de meus versos tristes
da minha fuga
do meu etéreo prazer.

Vocês, a quem o sol dá desprezo
e que depressa me tiram o chão
Agora choram
agora fogem
agora mudam.


domingo, 14 de dezembro de 2014

Emir Sader: Para que servem os partidos de esquerda?

*Em seu blog em Carta Maior




Ao longo da década de 1990 a esquerda resistiu como pôde aos avanços do neoliberalismo. Parecia que estávamos frente a uma onda irresistível, até que alguns governos latino-americanos reagiram e começaram a construir alternativas a esse modelo

Duas correntes conviviam na resistência ao neoliberalismo: uma, que defendia a autonomia dos movimentos sociais, a rejeição à política, aos partidos e ao Estado. Outra, que propunha a necessidade de resgate da política, dos partidos e do Estado para conquistar hegemonia e construir alternativas ao neoliberalismo.

Triunfou esta segunda corrente, dado que a superação do neoliberalismo requer a construção de um bloco de forças hegemônico e a construção prática de novas políticas de caráter público, que requerem redirecionar o Estado, superando a centralidade do mercado, promovida pelo neoliberalismo. Trata-se de resgatar o Estado e a política e não de abandoná-los, o que faz o jogo do neoliberalismo.

 O resgate do papel ativo do Estado, tanto como indutor do crescimento econômico, como na sua qualidade de garantia dos direitos sociais, foi decisivo na capacidade de governos para avançar na superação do modelo neoliberal. A ultraesquerda foi derrotada porque não soube compreender a natureza da disputa e do papel do Estado nela.  

 Os que propunham a autonomia dos movimentos sociais não foram capazes de passar da força acumulada no plano social na resistência ao neoliberalismo à construção de alternativas políticas a esse modelo. Permaneceram na fase de resistência a esse modelo. Algumas forças praticamente desapareceram – como foi o caso dos piqueteros na Argentina – outras ficaram reduzidas à intranscendência – como é o caso dos zapatitas no México. 

Foi decisivo o papel do Estado nos avanços na superação do neoberalismo, tanto no plano econômico, como no social. Mas a desmoralização da política e o enfraquecimento dos partidos não se deteve sequer nos países que resgataram a importância do Estado.

Hoje, recoloca-se com força a questão do papel dos partidos de esquerda nos processos de construção de alternativas superadores do neoliberalismo. Como se trata de governos de alianças amplas, de centro esquerda, esses devem representar a alternativa de esquerda, que representa a superação radical do neoliberalismo. E, mais além dessa luta, apontar para alternativas anticapitalistas.
    
Por outro lado, o papel de um partido de esquerda é o de formular estratégias para chegar aos objetivos do programa dos partidos. Enquanto os governos se movem no plano das conjunturas, é necessário apontar para esses objetivos, para que não se percam nos enfrentamentos imediatos.
    
Além disso, os partidos devem discutir permanentemente com os movimentos populares as plataformas de luta, as formas de organização dos distintos setores populares, as relações com os governos. Porque são esses movimentos – sindicatos, movimentos sociais, culturais, etc.  – os que devem se dedicar a organizar os mais amplos setores de massa.

É também responsabilidade dos partidos as constantes avaliações das conjunturas, das relações de força, dos aliados, do inimigos.

Em síntese, o papel dos partidos é o de dar direção política, de elaborar e construir a hegemonia dos programas estratégicos da esquerda e as formas de sua realização.
    

sábado, 13 de dezembro de 2014

Eu, fraco.

Abaixo a ditadura do mais forte!

Eu, fraco, quero poder tremer as mãos ao mínimo sinal de desejo. Fracamente, quero pedir proteção aos deuses, ou ao destino deitar a culpa de meus fracassos. Eu, frágil ser humano, quero poder fugir livremente, carregado dos paradoxos que a fuga livre me dá, da prisão libertária de minha força – pouca força.

Eu, fraco, quero derramar-me em lágrimas sempre que sucumbir, quero presenciar a derrota de meus guerreiros, a destruição de minhas vigas, a perda da razão. Fracamente, devo a outrem minhas alegrias, minhas angústias, meu valor.


Eu, forte o suficiente para me admitir fraco, num canto de um quarto resigno-me. Eu, fraco o suficiente pra desprezar a força, desfaço-me do darwninismo sentimental. Eu, fraco, sustento-me em mim, procurando novas tecnologias de me manter em pé. Sonhos no céu, palavras num livro, gente por perto...


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Três

Era um.

Podia ser ponto no papel em branco

Podia ser frase solta no ar.

Podia ser o risco no olho. O aplauso indesejado.
A esperança de uma guerra.
A noite de chuva.

Fui dois.

Quando em pares os olhos se fizeram
Quando nossas promessas viraram seiva
Quando nossas raízes fincaram os pés
Quando somos sombra,  quando somos paz.

Por isso somos três
Aárvores que alimentam a terra
Jogando as folhas por sobre a vida.
Flor mais linda que há de vir.

Somos três.

Troncos fortes
Folhas-mães
Flor do amanhecer.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Cidade-mulher



Ela é minha amante. Nas noites de maiores alegrias, foram os brilhos pairantes das suas águas que inspiraram as aventuras dos dias vindouros. Nas tardes de tristeza, foi o transbordamento do teu choro, de quem, por vezes maltratada, pedia minha atenção.

Ela é mulher. São curvas, sensibilidade e ousadia, para sobreviver dos que lhe querem submissa. São cheiros e temperos, marcando as suas mãos, marcando os abraços e os que ela abraça: seus filhos, nós.

Ela é guerreira. Vence os tumores que lhe colocam diariamente, seja de nome Estela, seja dos mascates. Eu, simplesmente seu devoto, absorvo diariamente seus choros, seus gritos de quem, sufocada, pede passagem pra respirar. Absorvo diariamente tua sensualidade madura, de quem sofreu, mas sabe renovar-se dia a dia. Eu, simplesmente seu filho, olho-a cá de cima, dos altos de sua irmã, sem dúvidas de que são as Nices do Bandeira que ouso declamar.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Aos 27 II

Não é só passar pela idade na qual os ícones do rock'n'roll morreram. Não é apenas se livrar do vício das drogas ou com ele saber conviver. É superar os monstros do passado, a inquietude e a rebeldia da adolescência inconsequente. É preparar-se, verdadeiramente, para a vida adulta.

Hoje, o desafio é construir as vitórias que virão. Repensar os erros e promover acertos. Aos vinte e sete, é chegada a hora de escrever o tão sonhado livro, ter a tão esperada filha, plantar a tão necessária árvore.

Aos vinte e sete, nenhuma falta de sobriedade será obstáculo para atingir os objetivos necessários, nenhum choro deverá ser suficiente para derrubar. Aos vinte e sete, recomeça a vida, reacendem-se os sonhos.

Passar por aqui é acordar, recobrar a paciência e a perseverança; passar os olhos sobre as pedras e chutá-las para longe. É procurar minha paz.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Universidade brasileira e seus mecanismos de ingresso: mudanças em curso


Um dos elementos da sociedade brasileira que mais marcou e marca a divisão de classes e entre interesses nacionais ou estrangeiros, com certeza, é a universidade. Basta percebermos que, no Brasil, a universidade só foi criada a fim de atender aos interesses de uma pequena minoria, sem para isso ter suas funções sociais bem definidas.

Essa pequena minoria, para a qual a universidade não teria uma função social de investigação científica e produção de conhecimento, o status de cursar o ensino superior era obtido através das viagens dos filhos das elites a Portugal ou a outros países europeus a fim de estudar medicina, direito etc.. O destino era, por muitas vezes, a Universidade de Coimbra.

Foi com essa mentalidade que a elite brasileira foi sendo formada e, diferentemente da elite da América Espanhola que, logo no início do século XVI, implantou o sistema universitário em México, Guatemala, Peru, Cuba, Chile e Argentina, o Brasil só passou a contar com algo parecido a partir da migração da Família Real portuguesa para o Brasil em 1808. Nesse contexto é que são criados o Curso Médico de Cirurgia na Bahia e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica no Hospital Militar do Rio de Janeiro. Obviamente, a criação desses cursos superiores não se preocupava com função social nenhuma além da formação da elite que, assim, era poupada de viajar a Coimbra para obter o título. Mas é só em 1915 que a universidade, como um conjunto de faculdades, é criada no Brasil.

A criação tardia dessa instituição no Brasil explica o fato de, historicamente, a universidade ter sido tão excludente; afinal de contas, o ingresso nas poucas que existiam estava tacitamente reservado às elites, portanto, o método de entrada sempre passou por sua condição social e familiar, passando longe das necessidades nacionais em desenvolver determinadas áreas, acentuando a separação capitalista entre educação e trabalho. Sendo assim, aos 40% de negros que eram proibidos de estudar, quando a proibição acabou legalmente, ela continuou na prática de o quê e como negros e pobres poderiam estudar.

Foi dessa forma que, por quase um século de existência, a universidade instituiu-se como um dos principais privilégios da elite brasileira. Além de esnobar seu poderio econômico, essa elite estava preparada para perpetuar-se no poder, e um dos mecanismos que mais legitimou isso durante esse período foi o vestibular.

O vestibular, mais que uma prova para “testar o conhecimento”, “aferir a capacidade” de um postulante a uma vaga na universidade era, e em alguns casos ainda é, um grandíssimo esquema de exclusão dos que não estudavam nas grandes escolas, uma prova que testava, na verdade, quantas questões você conseguiria não errar; além, é claro de alimentar os bolsos de tubarões de ensinos das grandes escolas particulares e cursinhos preparatórios.

Com a decisão política tomada pelos governos Lula e Dilma de expandir a universidade para a grande maioria da população, além da mudança numérica – que é fundamental – passou a existir uma mudança, também, na lógica de ingresso. Eles, além de terem dobrado o número de estudantes matriculados no Ensino Superior, passando de 3,5 milhões para 7,1 milhões, criando 18 universidades federais, 173 campi e uma série de programas como FIES e PROUNI, implementaram a cota e adotaram o ENEM como mecanismo de entrada à universidade. Com o ENEM e o SISU, os estudantes podem concorrer a vagas em 115 universidades públicas e 4.700 cursos, além de suas notas servirem como acesso às bolsas do PROUNI.

A reação, portanto, não poderia ter sido diferente. À elite, que antes em Coimbra e depois nas federais, coube o papel lamentável de tentar barrar todas as iniciativas de democratização da universidade. Porém, o mais lamentável é terem colocado seus esforços contra uma proposta pedagógica muito mais avançada e justa do que a dos antigos vestibulares. É óbvio a qualquer um que procure ler as provas de até o ano de 2004 e as do ENEM a diferença de proposta, afinal de contas as comissões de vestibulares e concursos não devem ou não deveriam ser instituições programadas para tolher a vontade de se ingressar na universidade. Enquanto isso, uma indústria por trás de cursinhos, professores e editoras lucravam com a antiga prova de “isso você não vai saber fazer”.


É dessa forma que esses, que viram seus privilégios diminuírem, entendem que deveria funcionar o ensino superior no país. Felizmente, acordamos a tempo, fazendo com que em 12 anos a taxa de jovens entre 18 e 24 anos passou para 28%. Não deve ser fácil aos que passaram 500 anos tentando instituir privilégios conviver com isso. Universidade do povo e para o povo começa com mecanismo de entrada real, justo. O fim do vestibular foi e é um objetivo histórico de entidades estudantis compromissadas com a democratização do Ensino Superior. O ENEM é um caminho.